Título: Mercado de imóveis está vulnerável a juro maior em países ricos
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Fonte: O Globo, 16/06/2006, Internacional, p. A5

Em muitas economias, a disparada dos preços no mercado imobiliário foi um potente motor de crescimento nos últimos anos. Segundo estimativa da "Economist", o valor total de imóveis residenciais nos países desenvolvidas subiu 75% desde 2000, para quase US$ 75 trilhões. Esse crescimento equivale a mais de 100% dos PIBs combinados desses países. Os países nos quais os preços mais subiram tenderam a se beneficiar de um crescimento maior nos gastos do consumidor, pois os donos de casas próprias, sentindo-se mais ricos, consomem mais. Mas quanto combustível resta ainda nesse "motor habitacional" global?

A mais recente atualização trimestral da "Economist" dos indicadores de preços de moradias no mundo mostra que a maioria dos mercados continua aquecido. No ano passado, os preços subiram a taxas de dois dígitos em 9 dos 20 países pesquisados, sendo seis na Europa: Espanha, França, Bélgica, Suécia, Dinamarca e Irlanda.

Na maior alta registrada, o preço de imóveis na Dinamarca subiu 21% em relação a um ano atrás. Em metade dos países monitorados pela "Economist", o ritmo da inflação no preço dos imóveis acelerou no ano passado, especialmente na Dinamarca, Suécia e Irlanda. Já o mais intenso desaquecimento ocorreu em Hong Kong, onde os preços caíram 3,2%, contra um salto de 30% em 2004. No Reino Unido, na África do Sul e na China, a taxa de inflação no preço dos imóveis caiu aproximadamente para a metade ao longo do ano passado.

Ficaram no passado os dias em que Reino Unido e Austrália lideravam o boom no mercado imobiliário mundial (com altas anuais em torno de 20% em 2003). Nos últimos 12 meses, os preços no mercado britânico cresceram 4,6%, e na Austrália, só 3,6%. Mas, o mercado londrino, estimulado pelos bônus pagos pelas instituições financeiras a operadores, teve uma retomada este ano, com altas de até 10% em muitas áreas da cidade.

Os preços de casas nos EUA surpreenderam e subiram robustos 12,5% no ano até o primeiro trimestre, segundo o Office of Federal Housing Enterprise Oversight, agência fiscalizadora tida como fonte do índice mais confiável.

Ainda assim, o aumento trimestral foi o menor em dois anos, e outros indicadores sugerem que esse mercado está esfriando rápido. A National Association of Realtors, entidade que reúne corretores imobiliários, diz que a mediana dos preços de venda de casas já prontas subiu só 4,2% no ano até abril, em comparação com 16,6% no ano até outubro. Os preços vêm caindo desde o início do segundo semestre de 2005. E, à medida que as vendas caíam, o estoque de imóveis não vendidos crescia rapidamente. Uma superoferta de novas construções está levando as incorporadoras a reduzir os preços.

A maioria dos especialistas continua prevendo um "pouso suave" na maioria dos países - uma estabilização dos preços, e não uma queda prolongada. Mas, estando o mercado imobiliário em muitos países tão sobrevalorizado, isso poderá implicar em um longo período de queda nos preços reais, mesmo que os preços nominais permaneçam inalterados.

Em seu mais recente relatório Perspectivas Econômicas, publicado no mês passado, a OCDE diz que mercados imobiliários sobrevalorizados e juros em alta constituem um sério risco para as economias desenvolvidas. Em geral, afirma-se que altas nos preços de imóveis em relação à renda se devem a quedas nos juros, o que torna mais barato adquirir moradias. Mas as taxas de juro agora estão subindo.

Nos EUA, os juros dos financiamentos habitacionais de 30 anos está hoje em 6,7%, o maior em quatro anos, uma alta em comparação com os 5,5% de um ano atrás. Uma análise da OCDE conclui que, se os preços subirem este ano no ritmo registrado em 2005, e se os juros subirem dois pontos percentuais, então, haverá um risco de no mínimo 50% de que os preços reais venham a cair nos EUA, França, Irlanda, Espanha, Suécia, Nova Zelândia e Dinamarca. Para a OCDE, os preços reais já atingiram seu máximo na Austrália e no Reino Unido.

Na Europa, Espanha e Irlanda parecem os países mais expostos a taxas de juro mais altas. Não só os preços dos imóveis e as dívidas de financiamentos cresceram substancialmente em relação à renda, como também a maioria dos financiamentos são regidos por juros variáveis. Se os mercados imobiliários nessas economias fraquejarem, eles pressionarão a política monetária "única" praticada pelo Banco Central Europeu, que é definida com base nas condições econômicas da zona do euro como um todo. Até agora, essa política tem sido frouxa demais para Espanha e Irlanda, exacerbando seus booms no mercado imobiliário. Mas, se os preços das casas caírem, esses dois países não poderão baixar os juros para amortecer os impactos sobre suas economias.

Nos EUA, em contraste, muitos economistas acreditam que o Fed (o banco central americano) reduziria os juros se o mercado habitacional esfriasse significativamente. Essa é uma das razões pelas quais poucas pessoas acreditam que os preços das moradias cairá.

É também comum o argumento de que os preços das casas custam mais a cair: os proprietários preferem manter suas posições do que aceitar um preço menor. É verdade que, ano sobre ano, os preços médios das casas nos EUA não caem desde a Grande Depressão.

Entretanto, diversos mercados locais tiveram declínios superiores a 10% em algum momento nas últimas duas décadas. No passado, tais esfriamentos não aconteceram em sincronia: alguns Estados permaneciam aquecidos enquanto outros registravam contrações bruscas. Mas, desta vez, os preços tiveram forte alta simultânea em um número excepcionalmente grande de Estados. Uma queda nos preços, portanto, provavelmente será também mais sincronizada.

Analistas americanos buscam traqüilizar-se observando que os preços das casas no Reino Unido e na Austrália tenderam a estabilizar-se, em vez de despencar. Mas, embora esses dois países evidenciem que os preços podem permanecer altos durante muito mais tempo do que parecia possível, a história está longe de terminada.

As moradias continuam dolorosamente caras em relação à renda; assim, se a inflação continuar baixa, poderá ser necessária quase uma década de preços estagnados para devolver aos imóveis seu justo valor. Muitos proprietários se sentiriam bastante desconfortáveis com isso. O pouso suave suave dos preços, até agora, no Reino Unido e na Austrália causou um desaquecimento nos gastos do consumidor. Nos EUA, onde o crescimento tem dependido ainda mais do mercado imobiliário, até um pouso suave poderia causar um tranco na economia como um todo. (Tradução de Sergio Blum)