Título: Estamos descontaminando o Mercosul
Autor: Peña, Bernardo de la
Fonte: O Globo, 19/01/2007, Economia, p. 25

Chávez diz que não quer "ideologizar" bloco, mas sim livrá-lo do neoliberalismo

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou ao Rio ontem pela manhã com a língua afiada. Antes do encontro com os chefes de Estado sul-americanos que participam da Cúpula do Mercosul, ele disse que vai trabalhar pela integração dos povos, que é um fato geopolítico, mais que um fato econômico. Chávez afirmou que quer descontaminar o bloco do neoliberalismo e que os Estados sul-americanos precisam desenvolver uma potência política.

Chávez chegou ao Rio por volta das 8h30m. Na porta do Othon Palace, em Copacabana, no qual está hospedado, ele voltou a defender temas polêmicos, como um banco da região. À tarde, foi para o encontro no Copacabana Palace, onde tratou de projetos estratégicos em almoço com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos temas foi o Gasoduto do Sul. Chávez não quis falar sobre seu projeto de nacionalização de empresas, dizendo que é um assunto interno da Venezuela. Mas negou que esteja querendo "ideologizar" o Mercosul:

- Dizem que Chávez vai ideologizar o Mercosul, envenená-lo, contaminá-lo. O Mercosul é que estava contaminado de morte com o neoliberalismo. Estamos descontaminando o Mercosul.

O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, porém, explicou que o socialismo do século XXI pregado por Chávez não prevê a estatização de empresas da indústria de transformação. Ele disse que a estatização será em segmentos estratégicos da economia venezuelana, como energia, e que não está prevista, por enquanto, intervenção em outras indústrias, como a automobilística.

Chávez alfinetou Lula ao afirmar que a América do Sul precisa de uma potência política:

- Esta reunião acordamos em Cochabamba. Não estava prevista. Surgiu do meu inconformismo. Quero discutir a essência da integração sul-americana. Disse a Lula: "Já que o Brasil é tão adiantado cientificamente e tecnologicamente, por que não cria um Viagra político? Porque temos de ter uma potência política entre nós" - disse, repetindo a frase que havia usado em dezembro, na reunião da Bolívia.

Ele criticou o assessor de Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que não teria avançado nos estudos para a integração da Comunidade Andina de Nações (CAN), que reunia Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, ao Mercosul. Apesar da empolgação com o Mercosul, Chávez disse que a Venezuela pode voltar à CAN. O país deixou de integrar plenamente o bloco por divergências com a Colômbia e o Peru, que assinaram tratados de livre comércio com os Estados Unidos.

- Que comunidade é esta em que se firma acordos com a potência hegemônica que agrediu demais a Venezuela? Colômbia e Peru fizeram acordos com os Estados Unidos e sequer nos informaram. Enterramos a Alca em Mar del Plata, mas é como no filme "O Império contra-ataca", com os tratados de livre comércio. Não é impossível a Venezuela voltar, mas terá de ser uma nova CAN.

Para o presidente venezuelano, o Fundo do Mercosul deve se tornar um banco.

- O que Estamos propondo é que esse fundo se fortaleça mais e se transforme em algo mais sério, sólido e estratégico com a criação do Banco do Sul. O presidente Lula gosta da idéia.

Para Chávez, as resistências ao bloco vão sendo vencidas. Ele citou o fato de hoje praticamente não se falar mais da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), liderada pelos EUA. Para ele, o fortalecimento do continente não é um tema ideológico, mas geopolítico:

- Este é um assunto que transcende a ideologia. É geopolítico. É para transformar o mundo em pluripolar - afirmou. - Teremos que lançar esta união com o espírito da vitória. Lula ganhou, eu ganhei. Estamos com o ânimo renovado e seguiremos vencendo.