Título: Lula manda recado à Argentina e ao Uruguai
Autor: Peña, Bernardo de la
Fonte: O Globo, 19/01/2007, Economia, p. 27

Em discurso a governadores e prefeitos do Mercosul, presidente defende despojamento de interesses nacionais

Com um discurso recheado de recados para a Argentina, que resiste em conceder benefícios para os países menores do Mercosul, e para o Uruguai, que negocia sozinho um acordo comercial com os EUA, o presidente Lula abriu ontem o Foro de Governadores e Prefeitos do Mercosul. Ele fez uma defesa da integração da América Latina e da América do Sul. Para o presidente, os governantes da região precisam entender que é necessário também atender aos interesses de outros países e que a integração é um desafio.

- Somos protagonistas porque temos os cargos máximos dos nossos países. Esse é o desafio que está colocado para nós. É um desafio gigantesco, que vai precisar de despojamento. Despojamento de interesses pessoais, despojamento até, de vez em quando, de um interesse nacional, para reparti-lo com alguém que precisa de um pouco mais - afirmou Lula.

Ele disse ainda que Brasil e Argentina, por serem as maiores economias do Mercosul, têm maior responsabilidade com os vizinhos e a união do bloco.

Para a integração do Mercosul, na opinião de Lula, é necessário compreender as diferenças e ter generosidade.

- Uma outra parte daquilo que eu quero tem de ir para outro. E essa compreensão só vem da maturidade, da evolução da classe política do nosso continente. Vira e mexe eu ouço dizer: "é melhor fazer acordo com os Estados Unidos do que com o Brasil". Se estiver pensando no imediato, até pode ser, para um mês ou para um ano. Mas este continente já tem muita experiência, muitas frustrações e muitas decepções - afirmou Lula, numa referência ao Uruguai, que negocia um acordo comercial com os americanos.

Após a cerimônia de abertura do Foro, no Hotel Intercontinental, Lula disse acreditar que foi correta a decisão de apostar na integração e no Mercosul:

- Estou convencido disso e, se olharmos para a balança comercial dos países da América do Sul, vocês vão ver que foi acertada a nossa decisão de acreditarmos na integração e fortalecermos o Mercosul. Não resolvemos todos os problemas, porque temos problemas de assimetrias muito fortes.

Lula repetiu a tese de que os países mais fortes têm que ser mais generosos, ter políticas para ajudar os mais pobres e citou o exemplo europeu:

- Foi assim que a União Européia conseguiu ajudar Espanha, Portugal e Grécia. É o gesto que os países maiores têm de fazer. E a integração tem de ser total: cultural, política, econômica, social.

Sócios menores do bloco ficam sem benefícios

Mas o Brasil não conseguiu aprovar a proposta de concessão de benefícios aos sócios menores - Uruguai e Paraguai - para corrigir as assimetrias na região, devido a divergências com a Argentina. Foi adiado para a próxima cúpula do Mercosul, este ano no Paraguai, o debate sobre a facilitação de importações de insumos produzidos por países fora do bloco. Também ficou para depois a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) no ingresso de produtos de outros mercados.

Segundo uma fonte do governo brasileiro, houve consenso só na aprovação do Fundo de Convergência Estrutural (Focen), que terá US$100 milhões para projetos em regiões mais pobres, com destaque para infra-estrutura e combate à aftosa. Mas os argentinos evitaram a inclusão do projeto de expansão de uma estrada no Uruguai para o transporte de madeira, que iria para as fábricas de celulose instaladas no Rio Uruguai.

O ingresso da Bolívia no Mercosul, pedido pelo boliviano Evo Morales a Lula, será examinado hoje pelos chefes de Estado do bloco. Uruguaios e paraguaios dificultaram esse acordo, pois resistem a um tratamento especial ao país andino.

- Acreditamos que o ingresso da Bolívia como membro pleno ocorra em um ano - disse o presidente da Comissão Permanente do Mercosul, o argentino Carlos Chacho Alvarez.

Até ontem, não havia indicação de que o Equador seguiria o caminho da Bolívia. Já o presidente do Peru, Alan García, não compareceu à cúpula.

(*) Enviados especiais