Título: Declaração vai destacar respeito à democracia
Autor: Oliveira, Eliane e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 19/01/2007, Economia, p. 29

Documento que será assinado hoje também enfatiza direitos humanos, manutenção da paz e desenvolvimento

Num momento em que as atenções de analistas, governos e investidores de todo o mundo estão voltadas para os últimos acontecimentos políticos na América do Sul - sendo o mais recente a reestatização dos setores de energia e telecomunicações, no socialismo do século XXI propagado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez - os chefes de Estado que participam no Rio da reunião de cúpula do Mercosul decidiram colocar, como primeiro item da Declaração que será assinada hoje, uma resposta tranquilizadora: o respeito aos princípios democráticos.

O documento, que desta vez mostra o bloco sul-americano com um perfil marcadamente político, ganhando um status bem mais elevado do que o lado comercial, também enfatiza o respeito aos direitos humanos, a manutenção da paz na região, o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza extrema.

Presidente Lula pediu paciência a participantes

"O diálogo político entre os países da região é instrumento de harmonia e cooperação em favor da promoção dos valores democráticos, dos direitos humanos e da estabilidade regional", diz um trecho do documento, ainda um rascunho da Declaração.

A situação na América do Sul foi discutida ontem, em uma reunião que durou praticamente toda a tarde, pelos presidentes da região. Sem testemunhas, como a presença de chanceleres e assessores, o encontro teve por objetivo estimular uma reflexão sobre os rumos que os países devem seguir daqui para frente, sempre tendo como foco a integração. Segundo uma graduada fonte do governo brasileiro, os debates foram provocados por uma discussão entre os presidentes Lula e Hugo Chávez, há cerca de um mês, em Cochabamba, na Bolívia. Eles discordaram publicamente sobre a forma como está sendo conduzido o processo de aproximação. Mas, com os últimos acontecimentos na Venezuela, a conversa entre os líderes ganhou caráter de urgência.

- Lá dentro há uma catarse, uma lavagem de roupa suja - disse um embaixador brasileiro, tentando adivinhar o que acontecia em uma das salas do Copacabana Palace.

Ontem Lula pediu paciência aos participantes, sob o argumento de que a integração se dá de forma gradual e que não se pode negar que houve avanços não apenas comerciais, mas também políticos na América do Sul. Chávez, junto com o boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa, quer mais do que isso. Usa como bandeira a busca pela justiça social e adota um forte discurso contra os EUA.

Garcia: Venezuela não está ferindo cláusula democrática

Uma das preocupações dos presidentes, em especial de Lula, é que essas diferenças não contaminem a região. Ações preventivas nesse sentido estão sendo tomadas. Nenhum representante de qualquer país sul-americano criticou a iminente mudança no regime de governo de Chávez. A avaliação que conta com unanimidade é que não houve nada que afetasse a cláusula democrática do Mercosul, cujo descumprimento, em última instância, é a expulsão do sócio. A Venezuela, embora ainda esteja se adequando às regras do bloco - com direito a voz, e não a voto - já fala como membro pleno do Mercosul em todos os fóruns.

O assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, deu ontem uma Declaração que reflete a posição do governo brasileiro. Segundo ele, a Venezuela não está quebrando a cláusula democrática do Mercosul:

- São medidas econômicas. Não há qualquer cláusula democrática no Tratado de Assunção (que deu origem ao Mercosul) que proíba a nacionalização. Não está havendo expropriação, mas nacionalização, com o pagamento das devidas indenizações