Título: As massas falam
Autor: Buarque, Cristovam
Fonte: O Globo, 20/01/2007, Opinião, p. 7

Aúltima reunião dos chefes de Estado do Mercosul mostra como mudou o perfil político dos presidentes eleitos nos últimos anos. As massas falaram. E pediram mudanças. Mas as mudanças esperadas não estão acontecendo. Na prática, os eleitos têm se limitado à retórica e a programas que beneficiam, mas que não têm vigor transformador. Ou a intervenções estatais sem qualquer garantia de transformação social e com riscos de inviabilidade política, econômica e fiscal. Nenhum dos eleitos apresentou um projeto viável que possa mudar a realidade social.

São governos eleitos por aqueles que desejam mudanças, mas executados por governantes sem projetos nítidos para quebrar os muros da desigualdade e do atraso que caracterizam a América Latina. Foram eleitos pela fala das massas, mas não correspondem aos anseios da nação. As massas falam; a nação, não. Porque a nação tem dentro dela o futuro, as gerações por vir. As massas querem mudar o presente, as nações precisam de mudanças a longo prazo, viáveis, permanentes.

Entre a fala das massas e o discurso da nação está a presença do estadista transformador. Os eleitos recentemente respondem aos eleitores, mas não falam à nação. Governam para atender aos desejos do presente, não aos sonhos do futuro. Foram eleitos para mudar, mas não têm propostas viáveis. As massas falaram, mas está faltando estadista para atender aos votos dos eleitores e aos desejos nacionais do presente e do futuro, em uma sociedade integrada, dentro de um mundo global.

A culpa não é das massas. É da falta de propostas capazes de mudar, com viabilidade e permanência, respeitando a imutabilidade atual de alguns aspectos da realidade. E da incapacidade dos eleitos de formularem as utopias para o futuro distante. Eles não estão comprometidos com a mudança permanente de estruturas, nem com o longo prazo. Trabalham mais para atender às pesquisas de opinião e manterem elevados seus índices de popularidade. São prisioneiros do curto prazo, da próxima eleição. Não têm um projeto de futuro. Caem no conservadorismo e traem as massas, ou caem no populismo e traem a nação. Está faltando uma proposta que seja ao mesmo tempo democrática ao ouvir as massas e progressista ao sentir a nação, capaz de combinar o presente e o futuro.

A dificuldade para que os eleitos pelas massas se transformem em estadistas da nação está na incapacidade de compreenderem e formularem políticas, levando em conta que nenhuma nação está isolada e que cada nação está dividida por uma apartação. O fim da apartação não pode ser o resultado de uma dialética em que um lado destrói o outro, tem de ser o local de encontro dos dois lados, como vem tentando fazer, do ponto de vista racial, a África do Sul.

Os políticos parecem se dividir entre os que se recusam a mudar e estão perdendo as eleições, os que prometem mudanças, mas não sabem como fazê-las, e aqueles que tentam fazê-las sem levar em conta essa nova realidade de um mundo integrado internacionalmente e desintegrado nacionalmente.

A impressão é de que as massas se adiantaram aos políticos, votaram em mudanças sem que eles estivessem preparados para liderá-las. Para se transformarem eles próprios em estadistas capazes de tornar realidade o vetor da construção nacional, sem os muros da desigualdade e do atraso. Se isso não acontecer, as massas irão para as ruas, com a mesma audácia como votaram nas mudanças, em busca de novos rumos ou até mesmo da volta ao conservadorismo.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).www.cristovam.com.br.