Título: Somos apenas profissionais
Autor: Farah, Tatiana e Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 20/01/2007, O País, p. 10

Tratados como heróis, bombeiros se tornam amigos das famílias das vítimas

SÃO PAULO. Da tarde de sexta-feira passada até a madrugada de ontem foram 155 horas de trabalho ininterrupto por parte dos bombeiros em busca de seis corpos sugados pela cratera. Mais de 200 homens se revezaram durante sete dias no túnel construído a 30 metros de profundidade, sob risco iminente de desabar a qualquer instante. Para o major Jovelino Barbosa, responsável pela operação de resgate, foi uma das buscas mais difíceis de sua carreira:

¿ Tenho 23 anos de corporação e posso afirmar, sem pestanejar, que esse trabalho foi o mais meticuloso, cansativo e desgastante de que participei. Mas valeu a pena cada segundo que passamos lá dentro (no túnel).

Amarrados a cordas ¿ que seriam puxadas no primeiro sinal de novos deslizamentos ¿, os bombeiros demonstravam sinais de cansaço ao fim do resgate da última vítima, o funcionário público Márcio Alambert. Estavam exaustos, mas não escondiam a satisfação com um trabalho considerado perfeito pela corporação e tido pelas autoridades e familiares das vítimas como um ato de heroísmo. O governador José Serra elogiou o trabalho e se referiu aos bombeiros como heróis.

¿ Não somos heróis, somos apenas profissionais ¿ disse o comandante dos bombeiros, Antônio dos Santos.

Soldados, capitães e tenentes passaram a fazer parte das famílias que sofriam com a perda dos parentes. A relação resultou em laços de amizades que devem perdurar. Ontem, no velório de Reinaldo Leite, motorista da van soterrada, o capitão Mauro Moro estava abraçado aos pais do motorista:

¿ A dona Maria Augusta é para mim uma segunda mãe e o `seu¿ Davi já me adotou como filho.

Um dia antes, na esquina da Rua Capri, os pais de Reinaldo pediram aplausos para os bombeiros.

¿ Vou rezar pelo meu filho e por eles (os bombeiros) todas as noites ¿ disse Maria Augusta, depois de receber a notícia sobre a localização do corpo do filho.

¿ Mesmo cansados, muitos homens não queriam sair de lá até que conseguissem retirar o corpo. Tínhamos que convencê-los de que a fadiga atrapalharia o resgate ¿ disse o comandante Barbosa.

Cada equipe que descia ao túnel tinha 15 homens, metade do número de bombeiros que se revezavam em cada um dos dois turnos diários. Mas apenas quatro ou cinco podiam dividir o espaço de um metro quadrado para escavar, muitas vezes com pás de mão, a região onde a van estava presa.

O major Nelson Delsin, que cancelou suas folgas para trabalhar no resgate, chegou a ficar 18 horas seguidas dentro do buraco:

¿ Tivemos de sair correndo quando toneladas de areia desabaram.

Pelas ruas do bairro de Pinheiros, onde aconteceu o acidente, muitos deles continuavam de plantão ontem, mesmo após o fim do resgate. Diziam que só sairiam dali quando confirmada a informação de que o office-boy Cícero Augustinho da Silva, de 60 anos, não estava entre as vítimas. (Tatiana Farah e Flávio Freire)