Título: Discussão acolorada entre Uribe e Morales
Autor: Oliveira, Eliane e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 20/01/2007, Economia, p. 39

Presidentes da Colômbia e Bolívia quase se desentendem no encerramento da cúpula. Chávez minimiza o atrito

Luciana Rodrigues

Os atritos entre os países andinos ¿ que opõem, de um lado, o Peru do moderado Alan García e a Colômbia do direitista Álvaro Uribe e, de outro, a Venezuela de Hugo Chávez e a Bolívia de seu aliado Evo Morales ¿ por pouco não viraram um bate-boca ontem no encerramento da Cúpula de Chefes de Estado da América do Sul. Em seu discurso, Morales ressaltou que o crescimento econômico na América Latina estava sendo liderado por países ¿antiimperialistas e anti-neoliberais¿ e citou Cuba, Venezuela e Argentina como exemplos de bom desempenho na economia. Segundo ele, a Cuba de Fidel Castro, que cresceu 11,5% em 2005, deve ter registrado uma expansão de 21,5% em 2006.

O presidente boliviano afirmou ainda que as nações da América do Sul que fizeram acordos comerciais não tinham obtido um bom resultado ¿ numa referência aos tratados de livre comércio que Peru e Colômbia negociam com Estados Unidos.

¿ Os Estados Unidos, sob o pretexto da luta contra o narcotráfico, investiu bilhões e bilhões de dólares. Mas a Colômbia está com déficit comercial e com déficit fiscal ¿ afirmou Morales.

Chávez intervém em defesa de Morales, e Uribe se irrita

Uribe, por sua vez, respondeu em seu discurso que não é possível comparar países com estruturas diferentes entre si. E destacou que a Colômbia não é uma economia dependente de hidrocarbonetos e turismo ¿ numa referência ao enorme peso do petróleo e do gás na Bolívia e na Venezuela. Foi a deixa para Chávez se intrometer na briga e fazer uma intervenção, não prevista, em defesa de Morales:

¿ Foi superdimensionado (o fato de Uribe ter retrucado Morales) ¿ disse Chávez.

Uribe ¿ que até então mantinha o tom de voz moderado, mesmo diante das críticas de Morales ¿ respondeu irritado ao presidente Venezuelano:

¿ Eu te escutei com toda atenção e todo o respeito. Mas quando surgem questões sobre Colômbia, você tem que entender meu direito legítimo de esclarecê-las.

A postura de Morales causou extremo desconforto entre os integrantes do governo brasileiro, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anfitrião do encontro do Mercosul. A avaliação era de que o boliviano não precisava ter feito uma crítica direta à Colômbia, o que foi considerado uma descortesia.

Celso Amorim minimiza clima de desconforto

Mas, em entrevista coletiva, o chanceler Celso Amorim minimizou a discussão entre Morales, Uribe e Chávez:

¿ Homogeneidade só existe no cemitério. Onde há vida, há divergência. O importante é que não há discordância no essencial. Todos estão comprometidos com a integração sul-americana e com a justiça social.

O peruano Alan García, desafeto de Chávez, sequer compareceu à Cúpula no Rio. A Comunidade Andina de Nações (CAN) está rachada. Venezuela e Bolívia nunca aceitaram o fato de Peru e Colômbia terem negociado um acordo comercial com os americanos sem consultar o bloco. Chávez, no ano passado, retirou a Venezuela da CAN e anunciou o ingresso de seu país no Mercosul.

Rafael Correa aposta em aproximação equatoriana

Ontem, o presidente do Equador, Rafael Correa, tentou reforçar o papel da CAN e comemorou o fato de o equatoriano Freddy Ehlers ter sido eleito secretário-geral do bloco. Correa reiterou que, por enquanto, seu país não pretende se tornar membro pleno do Mercosul. Ele garantiu que o Equador nunca cogitou uma adesão integral ao bloco e disse que aposta numa aproximação com o Mercosul, mas por intermédio da CAN:

¿ Como membro associado (do Mercosul), há vantagens que nós pretendemos usufruir e que ainda não gozamos na plenitude. Oxalá seguiremos na integração entre o Mercosul e a CAN.

Mais tarde, quando perguntado sobre o problema entre ele e o presidente da Colômbia no encontro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, minimizou:

¿ Uribe é meu amigo. Sempre comentei tudo como uma crítica construtiva. Evo é um índio. Um homem puro, autêntico, fala com o coração. O que falou não falou com maldade, foi um comentário. Não há fragmentação no bloco. A América Latina está fragmentada há mais de 500 anos. Estamos tratando de reintegrá-la. É um longo caminho, mas estamos começando bem.

*Enviado especial

COLABOROU Dimmi Amora