Título: Brasil vai de Bolívia contra Chávez
Autor: Oliveira, Eliane e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 20/01/2007, Economia, p. 39

Lula oferece a Morales pacote de investimentos, que inclui fábrica de biodiesel e acesso ao mar

Em uma tentativa de neutralizar a forte influência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sobre os países sul-americanos e, ao mesmo tempo,evitar um novo contencioso com a Bolívia em torno do gás exportado daquele país para o Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereceu a seu colega boliviano Evo Morales um amplo pacote de investimentos, que vai desde a instalação de uma fábrica de biodiesel em seu país até o acesso da Bolívia ao Atlântico, via Rio Madeira. A conversa dos dois aconteceu após a reunião de chefes de Estado do Mercosul e foi provocada por um discurso de Morales criticando o baixo valor pago pelos brasileiros pelo gás que chega em Cuiabá (MT).

Ficou acertado que os projetos começarão a ser discutidos no próximo dia 14 de fevereiro, durante uma visita de Morales a Brasília. Lula também prometeu, nessa data, dar uma resposta sobre o gás que vai para Cuiabá, comprado por empresas privadas, por um preço considerado excessivamente baixo pelas autoridades bolivianas. Esse contrato é diferente do que está sendo renegociado pela Petrobras e a estatal boliviana YPFB, como resultado da nacionalização das reservas de gás e petróleo.

Financiamento de tratores pelo BNDES

Entre os projetos apresentados pelo presidente brasileiro, estão o financiamento de tratores, pelo BNDES, para agricultores bolivianos. O crédito dado pelo banco seria para empresas brasileiras exportarem os produtos para a Bolívia. Outro investimento seria incluir a Bolívia nas obras de integração rodoviária ligando Guajaramirim, em Rondônia, aos portos do Peru, o que significaria o acesso ao Pacífico.

Já a saída para o Atlântico à Bolívia ¿ país que perdeu o acesso ao mar para o Chile no fim do século XIX ¿, de acordo com uma fonte do governo brasileiro, traria também benefícios ao Brasil, que tem interesse em aproveitar a grande riqueza mineral das regiões de Bando e Beni, especialmente ouro e manganês. A expectativa é que os resultados do encontro apazigúem os ânimos de Morales.

¿ Enquanto a Venezuela fica dando migalhas, alguns milhões de dólares, o Brasil tem um amplo projeto de integração, que poderá beneficiar os dois lados ¿ afirmou essa fonte.

No ano passado, a Venezuela ofereceu à Bolívia 200 mil barris de diesel por mês em troca de remessas de soja boliviana. Chávez também anunciou US$1,5 bilhão em projetos para a produção de derivados de petróleo, como petroquímicos, fertilizantes e asfalto. Os venezuelanos financiam ainda produtores rurais do país andino, o mais pobre da América do Sul, e compram títulos da dívida externa, procedimento que também é feito com a Argentina pelo presidente da Venezuela.

Barganha na negociação do gás

Para a economista Lia Valls, especialista em comércio exterior da Fundação Getulio Vargas (FGV), como as negociações nos blocos e nos foros multilaterais não avançam, resta a Lula oferecer à Bolívia projetos de cooperação no âmbito bilateral, a exemplo da estratégia adotada por Hugo Chávez.

¿ É um gesto de boa vontade que ajuda a criar um clima favorável e pode ser uma moeda de barganha na negociação do gás ¿ disse a especialista.

Ela acrescentou que é preciso, porém, ver se essas intenções vão se concretizar em projetos efetivos. De qualquer maneira, disse Lia Valls, oferecer ajuda é uma maneira de desanuviar o ambiente para facilitar as negociações na questão estratégica, que é o preço do gás.

Já Luiz Donizete, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, disse que há prioridades que nunca foram resolvidas na região. Ele lembrou que o próprio Brasil tem extrema carência de infra-estrutura e, ao mesmo tempo, se vê obrigado a reconhecer e tentar resolver os problemas das assimetrias econômicas e sociais entre os países sul-americanos. Uma disputa entre Lula e Chávez, em sua opinião, é uma questão menor.

¿ O Chávez é um líder midiático. Usa retórica e arroubos nacionalistas. Mas, na prática, todos sabem que o PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de riquezas produzidas pelo país) do Brasil é bem maior do que o da Venezuela. Chávez procura marcar posição no Mercosul. O Brasil não tem tradição de se impor, mas pode agir nos bastidores ¿ disse Donizete.

Durante a cúpula, a Bolívia formalizou seu pedido de entrada como membro do Mercosul. Já o Equador descartou a intenção de ingressar no bloco.

(*) Enviados especiais

CHÁVEZ DEFENDE MAIOR PRESENÇA DO ESTADO, na página 40

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