Título: Há um empenho em sufocar o pruralismo
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 20/01/2007, O Mundo, p. 50

Presidente de emissora de TV venezuelana diz que governo quer impedir acesso da oposição a meios de comunicação

Presidente do grupo 1BC, Marcel Granier não admite a possibilidade de perder a concessão da RCTV ¿ a emissora privada mais antiga da Venezuela e uma das principais em audiência ¿ embora o governo afirme que isso vá ocorrer em maio deste ano. No entanto, Granier não descarta que o caso seja decidido em instâncias internacionais. ¿Se o governo persistir em não cumprir tratados internacionais, vamos terminar na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Daí não se pode escapar¿, disse ao GLOBO, por telefone, de Caracas. Ele negou as acusações de golpismo feitas pelo presidente Hugo Chávez e disse que a decisão do governo viola a liberdade de expressão e os direitos humanos.

O senhor ficou surpreso com a decisão do governo?

MARCEL GRANIER: Toda violação da lei surpreende, inclusive nesse regime que vive a Venezuela.

Que medidas a RCTV pretende tomar?

GRANIER: Todas as que contemplam as leis, tanto as internas da Venezuela quanto os tratados que o país assinou. O fechamento da Radio Caracas Televisión que o governo pretende viola direitos importantes do povo venezuelano, de ser informado e de buscar informação onde quiser, de receber entretenimento da estação que preferir; viola o direito dos jornalistas de fazer seu trabalho; viola normas da Convenção Interamericana de Direitos Humanos sobre a liberdade de expressão.

Os senhores já entraram com ação judicial?

GRANIER: Sim, com ações na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A comissão disse ao governo que ele tem que acabar com sua conduta que viola os direitos humanos.

Mas o governo já rejeitou o pedido da OEA para rever o caso.

GRANIER: O governo se negou a acatar as disposições da comissão. Por isso a corte teve que ditar medidas de proteção a nossos jornalistas e instalações, e imagino que se o governo persistir em não cumprir tratados internacionais vamos terminar na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Daí não se pode escapar.

O ministro da Comunicação, William Lara, diz que a concessão termina em 27 de maio deste ano. Por que a RCTV contesta essa data?

GRANIER: O ministro está equivocado. Ele não conhece a matéria nem tem competência sobre ela. Ele se encarrega da propaganda do regime. Na Venezuela, aprovou-se no ano 2000 a Lei Orgânica de Telecomunicações, que modernizou toda a legislação. Essa lei ordenava ao Executivo transformar num prazo de dois anos todas as concessões que existiam e fixava normas. Tínhamos dois anos para fazê-la. O governo recebeu tudo o que exigiu de nossa parte. Na interpretação menos favorável, a concessão é vigente até 2022.

Que problemas a emissora enfrenta para funcionar?

GRANIER: Há vários. Em primeiro lugar, a falta de acesso à informação (oficial). Na Venezuela, quando algum jornalista vai buscar informações sobre segurança, os órgãos dizem que não têm permissão para falar. Nos atos públicos, quase sempre negam acesso às TVs privadas, rádios privadas e muitas vezes também a jornais. Em matéria de petróleo é impossível obter informações sobre o nível de produção. Outro problema é que freqüentemente o presidente chama os jornalistas de mentirosos, mas não apresenta provas. Ele se aproveita do controle que tem do microfone.

O presidente Chávez disse que no golpe, em 2002, a RCTV mostrou apenas manifestações contra o governo. E que em outra ocasião insultou sua mãe.

GRANIER: É completamente falso. Jamais ocorreu menção a sua mãe. E há outra mentira. Em 11 de abril e 12 de abril (de 2002), RCTV transmitiu tudo o que ocorria nas ruas. Ele diz que em 13 de abril, passamos desenhos de Tom & Jerry. É mentira. Sequer temos os direitos de Tom & Jerry. Esse é o problema com o presidente: é muito mal informado, e repete as informações erradas que lhe dão, ou mente.

A RCTV já havia tido problemas com outros governos?

GRANIER: Todos os meios de comunicação, em qualquer parte do mundo, têm problema com o governo. Os governos sempre querem que façam propaganda de suas obras. Mas nunca havíamos tido algo como agora, um presidente que ocupou todos os espaços; que fez a Assembléia renunciar a seus poderes em seu favor; que controla o Poder Judiciário; que controla o poder eleitoral.

O que senhor fará se a concessão for mesmo retirada?

GRANIER: Ele não tem direito de fazer isso. As normas são muito claras. Não há uma razão clara para revogar a concessão. O que ele apresentou são razões de cunho político, pessoais, que não pôde provar. Mostramos que nada houve de golpismo. O país tem consciência de que ele é um golpista. Ele foi capturado num golpe de Estado fracassado, foi preso, levado a julgamento e condenado como golpista. Se tirar a concessão, ele estaria em rebeldia contra o sistema judiciário. Estaria violando disposições expressas do Pacto de San José, o pacto interamericano de direitos humanos. Quem viola os direitos humanos é passível de ser processado. E essas são causas que não prescrevem nunca. São perseguidos sempre. Há o caso de Isabelita Perón, de Augusto Pinochet... O governo, quer fechar os meios de comunicação a todos os dirigentes políticos, sociais, religiosos, profissionais para que não haja críticas. Há um empenho em sufocar o pluralismo na Venezuela.

Chávez reafirma que vai revogar concessão

Presidente diz que não é antidemocrático

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse ontem que ¿nem que se movam céus e terras¿ a Venezuela vai renovar a concessão da rede RCTV, que, segundo ele, fazia uma ¿manipulação midiática¿ dos fatos políticos em seu país.

Chávez afirmou que a rede de TV chegou até a ¿xingar a sua mãe¿ e lembrou que, quando da tentativa de golpe contra ele no seu país, a emissora não transmitiu as manifestações de apoio popular ao presidente.

¿ O povo foi para as ruas e o que se via na TV eram desenhos animados, episódios do Tom & Jerry ¿ disse Chávez no encerramento da Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul, realizada no Copacabana Palace, no Rio.

O presidente da Venezuela rechaçou as críticas de que estaria sendo antidemocrático ao não renovar a concessão da RCTV. Segundo ele, trata-se de um direito do Estado e dos cidadãos venezuelanos, e a emissora é que tem práticas antidemocráticas.

Depois, no fim do seu discurso, quando por problemas técnicos o telão da sala em que estavam reunidos os chefes de Estado do Mercosul falhou, o presidente venezuelano brincou:

¿ Pronto, começou a sabotagem da TV local.

Chávez insinuou ainda que as empresas de telefonia do seu país ¿ que foram alvo da recente nacionalização ¿ espionaram a Presidência. Segundo ele, as companhias estavam ¿nas mãos de capitais americanos¿, e foram usadas para ¿gravar o presidente¿.

Juristas na Venezuela criticam poderes especiais

Em Caracas, um grupo de juristas ligado à oposição criticou a Lei Habilitante, aprovada em primeira votação e que confere poderes especiais ao presidente. Segundo a Comissão Técnica para a União Democrática, a medida representa ¿um cheque em branco¿ a Chávez porque lhe dá a possibilidade de legislar sem controle político.

Ontem, também, a sede em Caracas do principal partido de oposição, Un Nuevo Tiempo (UNT), foi invadida por um grupo de 30 pessoas, que estava armado e que dizia procurar um lugar para morar.