Título: Fortuna sem sujar as mãos de Iama
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 21/01/2007, O País, p. 12

Preço de alimentos e bebidas, cotado em ouro, é mais uma adversidade

ELDORADO DO JUMA (AM). O canto forte do peito-de-aço, um pequeno pássaro, é uma das poucas manifestações da fauna que resiste à ocupação humana no garimpo. Numa área de 25 quilômetros quadrados, o que se ouve é o barulho de motosserras, cavadeiras de duas bocas, picaretas, motores, facões e, principalmente, conversas.

¿ Está acabando ¿ grita Mário Jorge do Nascimento, vendedor de sanduíches que deixou a lanchonete em Nova Aripuanã (AM) para oferecer nas grotas hambúrgueres e suco. Dois sanduíches custam um grama de ouro, cerca de R$35:

¿ Hoje ganhei 40 gramas. Vendi 70 dos cem sanduíches. Quero vender tudo ¿ festeja.

O preço da sobrevivência é uma adversidade a mais na rotina do garimpo. Além das condições inóspitas da selva ocupada, onde a mesma água de beber escoa dejetos humanos, os garimpeiros pagam preços abusivos por comida, bebida e utensílios. Muita gente ganha fortunas em ouro sem sujar as mãos de lama. Uma lata de Coca-Coca na currutela, vila erguida na beira do Rio Juma, ponto de partida para as área de garimpo, não sai por menos de R$4.

Cantinas construídas com lona têm TVs, som alto e músicas de duplo sentido. Meninas entre 13 e 17 anos estão em toda parte, com roupas curtas e maquiagem pesada, e se dizem cozinheiras. Os garimpeiros demonstram intimidade, tentam dar tapas quando elas passam. O cabo França Moreira, comandante do posto da PM, diz que, se flagrar prostituição infantil, entregará a menina ao Conselho Tutelar em Apuí, a 74 quilômetros. Sobre o corruptor, nenhuma referência. França reconhece que 12 PMs é quase nada entre oito mil garimpeiros e dá eco aos boatos sobre a presença na região de foragidos do presídio Urso Branco, de Rondônia.

¿ Nossa primeira preocupação aqui foi garantir a segurança da tropa. Jamais conseguiremos proteger os outros se não nos protegermos.

Há meninos no garimpo, e eles trabalham duro, ajudando os pais a girar as bateias. Ramiro Messias, de 14 anos, trabalha com seu pai, David, ex-oleiro de Apuí. Em uma semana, Ramiro arrecadou sete gramas:

¿ Vou investir o dinheiro que ganhar em algo que dê futuro. Quero ser engenheiro.

Construção de mitos também é acelerada no garimpo

Tudo é acelerado no Juma, até a construção de mitos, gente que não tinha nada e virou rico da noite para o dia. Na galeria de heróis, Raimundo Nonato Carvalho, de 41 anos, tenta manter a rotina. Embora digam que ele aquilou, com mais de 12 quilos de ouro, vende churrasquinhos de carne a frango a R$1.

¿ Comecei em Serra Pelada. Já passei por muito lugar.

Nonato é dono de um dos barrancos mais férteis da Grota Rica e comanda uma equipe de 20 homens. Ganha metade do que cada um extrair. Tem aparecido com mais freqüência na cidade, onde vende cerca de 50 espetinhos por dia, sinal de que o ouro começa a perder a força. Outras frentes, como as grotas do Fumaça e do Chocolate, ampliam a área ocupada. Mas a maioria quer a Grota Rica. Um dos garimpeiros aponta o morro de 70 metros ao lado da clareira aberta pelo garimpo e diz:

¿ Nós vamos botar tudo isso abaixo.