Título: Empresas perdem empregados para o garimpo
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 21/01/2007, O País, p. 13

Taxistas, mototaxistas, pilotos de voadeiras e comerciantes de roupas, eletrodomésticos e alimentos lucram com atividade

APUÍ (AM). Dona da Incopol, maior madeireira de Apuí, Jaqueline Ferraço dispensou no fim do ano seus 43 funcionários, esperando que retornassem no dia 3. Só oito voltaram. Os demais se embrenharam no garimpol. A empresária quer processar os empregados e não se conforma com o prejuízo causado pelo abandono, principalmente nos contratos de exportação para EUA e Hong Kong.

O impacto do garimpo em Apuí divide a população. Jaqueline faz parte do grupo de prejudicados. O ouro levou mão-de-obra indispensável, como bitoladores e laminadores. Do outro lado, um grupo prospera: taxistas, mototaxistas, pilotos de voadeiras, donos de outros tipos de transporte (vale tudo para levar gente até o garimpo), comerciantes de roupas, eletrodomésticos e alimentos.

Com população de quase 20 mil habitantes, Apuí era uma típica herança do processo de ocupação da Amazônia pela pecuária nos anos 80. Sua população é formada por migrantes de vários estados, que passaram quase duas décadas derrubando árvores para a formação de pastos. Um destes pioneiros é o próprio prefeito, Roque Longo.

¿ Já derrubei um bocado, mas parei há dez anos.

Paranaense e pecuarista, ele está assustado com a febre do ouro na cidade. Lamenta que a fofoca tenha ido tão longe e tão rápido. Como a suposta área do garimpo fica no município vizinho, Nova Aripuanã, embora mais perto de sua cidade, Roque está convencido de que Apuí só terá o ônus da descoberta.

¿ Não pára de chegar gente. Alguém precisa convencer esse povo de que não há ouro para todos. O que vai acontecer quando o dinheiro acabar? Ou quando estourar uma epidemia de malária ou outra doença? ¿ indaga, arregalando os olhos.

Aposentadorias e pensões do INSS são ignorados

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Raimunda Nascimento da Silva, conta que a entidade dedicou meses para obter no INSS benefícios para os associados ¿ principalmente aposentadorias e pensões. O processo foi acompanhado com interesse, e as cartas de concessão começaram a chegar no dia 22 de dezembro.

¿ Mas ninguém veio buscar. Simplesmente ignoraram ¿ conta, perplexa.

Ela está convocando os beneficiados de casa em casa. Mas todos estão no garimpo. Raimunda sabe que muita gente pobre conseguiu mudar de vida com o ouro. Mas desconfia que o garimpo pode virar uma grande tragédia social:

¿ Este povo não vai conseguir nada. Sem dinheiro para voltar, acabará batendo aqui.

Na madrugada de quinta para sexta-feira, o pecuarista Marcos Maciel atravessou a avenida Mario Andreazza, a principal da cidade, com mais de 80 cabeças de gado. Ele diz que o garimpo levou metade de seus trabalhadores. Teve de alugar pastos vizinhos, razão da travessia.

A vida social também não escapou ao impacto. O frei franciscano Itacir Fontana contou que foi obrigado a cancelar o evento mais importante da igreja, o almoço beneficente em homenagem ao padroeiro da cidade, São Sebastião, por falta de quórum. Sua preocupação com o garimpo, contudo, passa longe de atividades cívicas. Para o frei, o ouro pode agravar um drama que corrói há tempos a cidade ¿ a prostituição infantil.