Título: Os senhores das armas
Autor: Araujo, Vera
Fonte: O Globo, 21/01/2007, Rio, p. 14

Traficantes ampliam negócios alugando arsenais para quadrilhas com menor poder de fogo

Quando o inimigo é mais forte e comum, vale até se aliar aos oponentes mais fracos para combatê-lo. Com esta velha tática de guerra, traficantes do Rio, até mesmo facções rivais, estão se unindo em ¿cooperativas¿ para ampliar seus lucros e proteger seus territórios, alugando ou emprestando armas pesadas como fuzis e metralhadoras antiaéreas. Como o preço de um bom fuzil oscila entre R$30 mil e 35 mil, as quadrilhas mais fracas acabam alugando armamento de traficantes de morros mais fortes, como Mangueira, Rocinha e os complexos de favelas como Alemão, Maré e Senador Camará, por R$2 mil a unidade, para o ¿serviço¿ contratado.

A informação, originada de uma escuta autorizada pela Justiça, de que traficantes da Mangueira estão alugando armas para aliados em morros de Niterói, atravessando a Baía de Guanabara, preocupa o secretário de Segurança, o delegado federal José Mariano Beltrame. Ele revelou ao GLOBO ter acionado a Subsecretaria de Inteligência para investigar esta nova prática, que dificulta o rastreamento dos arsenais e, por tabela, as investigações da polícia.

Em outra escuta feita pela polícia, há um mês, traficantes de duas importantes favelas cariocas negociavam o aluguel de armas para a invasão de uma unidade militar próxima a um morro, com dois objetivos: retomar as ondas de ataque e roubar mais armamento.

Assalto a bingo teve armas do tráfico

No atual cenário ¿ com a integração dos estados do Sudeste no combate à criminalidade, a transferência de 12 chefes do tráfico do Rio para o presídio federal de Catanduvas (PR), a presença da Força Nacional nas divisas estaduais e o avanço das milícias (policiais e ex-policiais que tomam as áreas do tráfico) ¿ os bandidos já encontram dificuldades para trazer carregamentos de armas e drogas para seus redutos. Segundo fontes na área de inteligência das polícias, para fazer frente a todos esses inimigos, a saída encontrada pelo tráfico foi negociar o armamento já existente. Um dos casos mais emblemáticos é o do traficante Robson André da Silva, o Robinho Pinga, que pôs de lado a rivalidade com Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, para frear o avanço das milícias.

Para as favelas mais fortes, como a Mangueira, os traficantes vislumbraram uma boa fonte de lucro com o aluguel de fuzis e até metralhadoras calibre .30, capazes de derrubar helicópteros. Os órgãos de inteligência da polícia suspeitam que era com a venda de drogas e o aluguel de armas que o tráfico pagaria as 2,5 toneladas de maconha apreendidas pela Polícia Civil no morro há duas semanas. Segundo a Polinter, a apreensão causou um prejuízo de cerca de R$1 milhão aos bandidos da Mangueira.

Na opinião do titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, Victor Cesar Carvalho dos Santos, é fundamental intensificar o policiamento ostensivo nas imediações das favelas para evitar que os bandidos transportem armas de um morro ao outro.

¿ Aqui no Rio não existe crime organizado, mas uma cooperativa criminosa. Os traficantes alugam ou emprestam armas para fortalecer ¿os amigos¿ ¿ diz Victor dos Santos.

Segundo o delegado, o aluguel de armas ocorre sobretudo para quadrilhas especializadas em assaltos:

¿ Durante as investigações do assalto ao Bingo Botafogo (no qual participaram dez homens disfarçados de policiais, em 10 de julho passado), descobrimos que as armas usadas eram do tráfico do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana.

O chefe-substituto da Divisão de Repressão ao Tráfico Ilícito de Armas da PF, em Brasília, delegado Marcos Dantas, explicou que a criação de um consórcio do tráfico para o aluguel de armas surgiu há cerca de três anos, numa facção criminosa de São Paulo. Segundo ele, quando não há dinheiro para pagar o aluguel de armas, os bandidos saldam a dívida com parte do produto roubado.

Foi em outubro passado, durante a prisão de um cabo da PM com uma metralhadora de fabricação tcheca, calibre .30, que a PF de Macaé esbarrou em mais um caso de aluguel de armas entre traficantes. O PM foi abordado na BR-101, sentido Rio-Campos, e, segundo a polícia, estaria fazendo uma entrega do Morro da Mangueira para a Favela das Malvinas, em Macaé. A arma pertence ao governo boliviano, mas, se o país não pedir a devolução, ela será destruída. Esta foi a sétima metralhadora do tipo apreendida no Brasil nos últimos dois anos, o que leva a polícia a suspeitar que um lote desse armamento possa ter sido desviado do Exército boliviano. Uma delas foi apreendida durante a tentativa de resgate de presos em Presidente Bernardes (SP), ano passado.

¿ A metralhadora saiu do Rio para uma ¿filial¿ da Mangueira em Macaé. Além de derrubar helicópteros, ela pode ser acoplada a um fuzil 7,62. Uma arma dessas custa R$39 mil ¿ diz Dantas, que trabalhou na Operação Chumbo Grosso, da PF, em 2005.

Especializado no assunto, o delegado Carlos Oliveira, titular da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae) da Polícia Civil, afirma que o aluguel de arsenais entre bandidos se deve ao aumento da repressão ao contrabando de armas, o que fez subir o valor de um fuzil no mercado negro. Nos últimos sete anos, de acordo com dados da Drae, de 2000 até outubro passado, 94.215 armas foram apreendidas no Rio.

¿ Em 2001, um fuzil HK modelo G3 ou um FAL em bom estado custava de R$5 mil a 7 mil. Hoje não sai por menos de R$30 mil.