Título: O intrigante legado do homem dos R$52 milhões
Autor: Antunes, Laura
Fonte: O Globo, 21/01/2007, Rio, p. 18

Assassinato de milionário parece enredo de romance policial, com vários suspeitos e disputa por uma herança

Fosse obra de ficção, a trama reuniria os ingredientes para a receita indubitável do sucesso: o misterioso assassinato de um milionário, a disputa pela herança vultosa, a família que acusa a viúva que por sua vez desconfia da enteada, um suposto amante envolvido no crime e uma população enfurecida capaz de cometer um linchamento. Com ação suficiente para prender a atenção da opinião pública, a história real da morte do ex-lavrador Renné Senna, de 54 anos, que em 2005 ganhou sozinho R$52 milhões na mega-sena, continua insolúvel.

Crime muda a rotina da cidade

O fim trágico da vida do milionário, que não tinha as duas pernas, casado com uma mulher 25 anos mais jovem, mudou a rotina de Rio Bonito, onde Renné vivia e morreu com quatro tiros na cabeça, quando conversava numa birosca, na manhã do dia 7, no distrito rural de Lavras: em busca do desfecho da saga novelesca, que ganhou o noticiário nacional, moradores acompanham de perto as investigações da polícia.

¿ Com a morte do Renné, a viúva, que só casou com ele depois do prêmio, virou a grande ganhadora da mega-sena ¿ diz uma moradora da cidade, sem disfarçar a desconfiança sobre a viúva, Adriana Almeida, de 29 anos, que vivia com Renné há cerca de um ano.

A moradora testemunhou a tentativa de invasão à DP para linchar Adriana, quando prestou depoimento. Na linha de investigação da polícia, além da viúva, há seguranças e ex-seguranças de Renné, entre eles PMs. A viúva, alvo da suspeita dos 11 irmãos da vítima, acusa a enteada, Renata Senna, de 20 anos, filha única de Renné. Adriana afirma que Renné, às vésperas da morte, teria confidenciado a intenção de pedir um teste de DNA por desconfiar não ser o pai de Renata, sob a alegação de ter flagrado a ex-mulher, Malvina, com quem foi casado por quase 20 anos, com um amante. Renata, segundo a viúva, ficara sabendo sobre o teste. O advogado da filha, Marcus Rangoni, contra-ataca e diz que entrará com uma ação por danos morais contra Adriana:

¿ É a tentativa desesperada da principal suspeita de desviar a atenção.

A história de um excluído, que perdera as pernas por complicações de diabetes antes de enriquecer e que vivia de favor numa casa no quintal de uma escola, tinha tudo para ter um final feliz: Renné, que fora lavrador e açougueiro, ganhou um prêmio suficiente para mudar a vida. Segundo a sobrinha Lílian Senna, ele deu imóveis aos irmãos. Chegou a viver num luxuoso condomínio no Recreio dos Bandeirantes, mas não se adaptou e voltou a Rio Bonito.

A morte do milionário, que teria modificado recentemente o testamento (antes beneficiando os irmãos) para deixar metade da fortuna para a mulher, deixa emocionado Paulo Correa de Castro, amigo de infância de Renné. Por ironia, Paulo, coveiro em Rio Seco, enterrou o amigo no humilde cemitério que ocupa um terreno cercado por mato. O corpo do milionário está num túmulo tão modesto quanto todos os outros.

¿ Enterrei meu amigo com tristeza. Foi uma covardia o que fizeram com ele. Era uma pessoa boa ¿ diz Paulo, que tinha pouco contato com Renné, pois viviam em distritos diferentes.

Outra a chorar a morte de Renné é a ex-sogra, Sônia de Brito, de 72 anos, avó de Renata. Guarda uma foto do ex-genro, que a presenteou com uma casa, após o prêmio. Foi uma surpresa para a idosa, que vivia de favor na casa de parentes. Eles não perderam o contato depois da separação da mãe de Renata. Quando Renné perdeu as pernas, recebia visitas de Sônia.

¿ Era como um filho. Ele, que me chamava de ¿velha¿. Um dia, já rico, mandou me chamar. Ele estava em frente a uma casa na minha rua e, quando cheguei, ele me disse: é sua, apontando para a casa, que botou em meu nome ¿ conta Sônia.

Renné, que comprara um quadriciclo, de R$19 mil, passou a circular por Lavras, onde vivia numa confortável fazenda com a mulher. Na manhã do dia 7, sem seguranças, ele estava no bar do Penco, próximo à fazenda, quando dois homens encapuzados chegaram numa moto e o carona atirou em Renné.

¿ Foi horrível. O assassino foi direto na vítima ¿ conta Luiz Penco, dono da birosca.

Segundo ele, Renné freqüentava a casa duas a três vezes por semana e não aparentava ter problemas conjugais:

¿ Ele nunca fez queixas.