Título: Morales entre o apoio dos aliados e o respeito às instituições políticas
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 25/01/2007, O Mundo, p. 37

BUENOS AIRES. Um ano depois de ter assumido o poder, o presidente da Bolívia, Evo Morales, está diante de dois desafios fundamentais para o sucesso de seu projeto de governo: a negociação de um acordo capaz de desbloquear o processo de elaboração da nova Constituição boliviana e o controle de movimentos sociais aliados ao governo. Nos últimos tempos, estes adotaram atitudes extremamente radicais, questionadas até mesmo pelo Poder Executivo nacional.

A Bolívia vive num constante estado de tensão. O eixo dos conflitos entre o governo e seus opositores é, basicamente, a demanda de autonomia sustentada por quatro dos nove departamentos (estados) bolivianos. Em junho passado, os departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija votaram em massa a favor do pedido de autonomia no referendo convocado pelo governo. No entanto, para se tornar realidade, o pedido de autonomia deve ser discutido pela Assembléia Constituinte, que começou a funcionar em agosto do ano passado, e incluído na nova Constituição. O eventual fracasso da Assembléia, há meses virtualmente paralisada, significaria, segundo analistas locais, o fracasso do projeto de governo de Morales.

¿ Somente com a Assembléia o governo poderia implementar todas as mudanças que prometeu a seus eleitores. Morales quer dar mais poder às comunidades e, sobretudo, conquistar o reconhecimento dos setores indígenas ¿ explicou ao GLOBO o analista Carlos Cordero, professor da Universidade Maior de San Andrés.

Segundo ele, ¿a inclusão social dos indígenas é uma das principais metas da revolução do MAS¿.

¿ Morales quer acabar com o racismo, permitir que os indígenas tenham acesso ao progresso econômico e social, e isso só seria possível com uma nova Constituição ¿ afirmou.

Para Cordero, em matéria econômica o governo já deu claros sinais de quais são os objetivos de seu projeto. A nacionalização dos recursos energéticos, aprovada em maio de 2006, e a reforma agrária, em pleno processo de aplicação, são as peças centrais do plano de Morales.

¿ Apesar dos temores que existiam no exterior, o governo adotou medidas importantes, como a nacionalização dos hidrocarbonetos, mas sem recorrer a mecanismos drásticos como o confisco. Todos os contratos com as empresas petrolíferas (entre elas a Petrobras) foram renegociados entre ambas as partes ¿ argumentou o analista boliviano.

Embora seja um importante aliado do presidente Hugo Chávez, Morales não parece disposto mergulhar na onda estatizante do líder venezuelano.

¿ O presidente boliviano é profundamente pragmático. Ele pode usar os helicópteros de Chávez para se locomover, pode assinar acordos de cooperação militar, mas nunca será submisso a ninguém ¿ enfatizou Cordero.

O sucesso do projeto de Morales também depende, em grande medida, do relacionamento entre o governo e os movimentos sociais aliados ao presidente. Morales precisou dos movimentos sociais para chegar ao poder, mas hoje enfrenta sérias dificuldades para controlá-los. Semana passada, grupos vinculados ao presidente exigiram o afastamento do governador do departamento de Cochabamba, Manfred Reyes Villa (forte defensor do pedido de autonomia) e chegaram a designar um governo paralelo. A crise obrigou o próprio presidente a viajar para Cochabamba, para conversar com os manifestantes e garantir o respeito às instituições regionais. (J.F.)