Título: Governo prestou um desserviço ético
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 22/01/2007, O País, p. 4

Presidente eleito da OAB faz críticas a Lula, mas destaca atuação da PF

Sem meias palavras, o sergipano Cezar Britto, que vai assumir em 1º de fevereiro a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no lugar de Roberto Busato, acusa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter prestado um desserviço ao país no campo da ética. Tal qual seu antecessor, ele está insatisfeito com as políticas públicas de segurança. O advogado é sobrinho do ministro Carlos Ayres Britto, conduzido ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Lula em 2003. Apesar do parentesco, garante que atuará de forma isenta.

Na sua opinião, quais medidas devem ser tomadas para diminuir a violência no Brasil?

CEZAR BRITTO: A violência não pode ser combatida de uma única forma, apenas com a ação policial, por exemplo. A violência decorre da ausência do Estado nas questões sociais e da ausência de sensibilidade do Estado nas áreas de concentração de pobreza. Também temos que acabar com a impunidade, que estimula o criminoso à prática do delito, porque sabe que não vai ter a reprimenda estatal. Outros problemas são a fragilidade do sistema penitenciário, que não cumpre sua função de ressocialização, e a ausência de um combate firme à lavagem de dinheiro oriundo de atividade criminosa.

Como o senhor avalia a atuação do Governo Lula nesse setor, no primeiro mandato?

BRITTO: A realidade mostra que há uma ausência clara de políticas públicas no que se refere à segurança. A violência no Rio e em São Paulo demonstra que os Governos falharam, tanto os estaduais quanto o federal. Duas novidades precisam ser ressaltadas: a criação da polícia federalizada e a construção do primeiro presídio federal. Mas são medidas tímidas. Até porque elas só atendem à demanda de ponta, que é quando a violência ocorre e já está estabelecida, não têm a função preventiva.

O que o senhor espera do segundo mandado do presidente Lula nesse setor?

BRITTO: Espera-se que os erros sejam corrigidos. É preciso não politizar a questão da segurança pública. Ela não pode ser usada com fins eleitorais ou para alimentar a vaidade entre os governantes. O combate à violência em São Paulo é um exemplo do erro da politização da segurança pública. No segundo mandato, espera-se dos governantes estaduais e do presidente da República que o cidadão seja fator prioritário, não fator eleitoral.

Como o senhor avalia o primeiro mandato do presidente?

BRITTO: O Governo Lula prestou desserviço à nação no que se refere à credibilidade e à imagem do Governo no campo da ética, o que gera desilusão e desestímulo para aqueles que agem com lisura no trato da coisa pública. Mas, por outro lado, avançou na questão social e no respeito à apuração institucional dos fatos denunciados. O Ministério Público e a Polícia Federal trabalharam muito em parceria no combate ao mau uso do recurso público, sem nenhuma reprimenda. Isso é um fator positivo.

Qual a sua opinião sobre a briga pelo aumento salarial de membros do Judiciário e do Legislativo?

BRITTO: É preciso estabelecer de forma firme, clara e transparente um teto para o servidor público, evitando aqueles poucos que se apossam dos cargos públicos para transformá-los em atividade privada. O teto é um limite ético e o antídoto constitucional para evitar que o erário seja transformado em propriedade privada. Para citar o ministro Carlos Ayres Britto, "o acesso ao cargo público não é um voto de pobreza, mas é um veto à riqueza".

O que o senhor acha do valor do salário de ministros do STF, que é de R$25.500?

BRITTO: Num país em que o salário mínimo fixado pelo Congresso Nacional como suficiente para a sobrevivência do trabalhador e de sua família é de R$350, o valor do teto não pode ser considerado irrisório.

"Ninguém pode ganhar mais do que o teto"

O senhor considera justo o critério de nomeação de ministros do STF, que é exclusividade do presidente da República?

BRITTO: O critério exclusivamente político e do notório saber jurídico é frágil. A Ordem tem se posicionado para regulamentar a impugnação do indicado pelo povo, estabelecendo um controle externo sobre quem vai exercer uma das mais importantes funções da República.

Como é a sua relação com o ministro Carlos Ayres Britto?

BRITTO: Ele é meu tio. O advogado e o magistrado têm uma relação próxima porque, juntos, são responsáveis pela Justiça. Mas uma relação independente. Assim será a minha relação com o ministro Carlos Ayres Britto como representante do STF: harmoniosa, mas independente.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público se empenharam para obter gratificações que, somadas aos salários, ultrapassavam o teto do funcionalismo público. Qual a sua opinião sobre isso?

BRITTO: A OAB é contra qualquer remuneração que ultrapasse o teto, que é o salário de ministro do STF. Qualquer verba que ultrapasse esse valor é inconstitucional. Ninguém pode ganhar mais do que o teto.