Título: O Brasil está sendo tímido
Autor: Menezes, maiá
Fonte: O Globo, 23/01/2007, Economia, p. 28

O coordenador da Via Campesina diz que o governo brasileiro não quer enfrentar de maneira contundente o modelo neoliberal para cumprir o que prometeu ao povo durante a eleição.

Como o senhor avalia a política agrária brasileira?

RAFAEL ALEGRIA: O governo brasileiro não quer enfrentar de maneira contundente o modelo econômico neoliberal. Estou convencido de que ele sabe que esse modelo está fracassado. Mas está sendo tímido. O Brasil precisa mudar sua atuação no setor. Assim, estaria cumprindo promessa de campanha e respondendo à esperança que criou no povo brasileiro. Combater a pobreza passa por democratizar o acesso à terra. Os irmãos no Brasil precisam da mesma decisão política que há na Venezuela e na Bolívia.

Qual sua opinião sobre os incentivos ao agronegócio no Brasil? E o biodiesel?

ALEGRIA: A terra para nós é sagrada. Da terra é que se tira o sustento. Não é para ser entregue a uma política de mercado. Não pode entrar em uma grande competitividade.

Qual o principal nó da questão agrária no Brasil?

ALEGRIA: O maior problema é a falta de decisão política. E a concentração de terras entre os latifundiários. Sem a decisão política, o que aparece é a confrontação. E a criminalização das ações dos homens do campo, na hora do conflito.

Qual a maneira correta de fazer a reforma agrária?

ALEGRIA: É distribuindo terra, desapropriando os latifúndios. E isso é possível fazer em todo o mundo, a exemplo da Bolívia. Essa é uma tendência a se reproduzir. Ele (Lula) deveria estar a favor dela.

Esse modelo é polêmico, muito criticado entre os países do Primeiro Mundo...

ALEGRIA: Mas é claro que é criticado! Porém, seria preferível, no caso de Lula, que os Estados Unidos critiquem, mas que o povo não o faça.

Que medidas concretas a campanha pela reforma agrária tomará?

ALEGRIA: Nós já estamos contribuindo para o fracasso da política do Banco Mundial de reforma agrária. Já há um debate internacional na FAO sobre o tema. A política de mercado começa a perder espaço.

Que tipo de manifestações estão previstas?

ALEGRIA: Nós criamos uma agenda internacional de luta, de ocupação, de mobilização. E nós já respaldamos Evo Morales para o Prêmio Nobel da Paz. O dia 17 de novembro (dia do massacre de Carajás) é o Dia Mundial da Luta Campesina.

Os problemas do campo são globais. O que aflige a África?

ALEGRIA: Na África do Sul, a questão é que há uma enorme quantidade de homens do campo sem terra. Estão concentradas nas mãos de poucos. No norte, há terras comunitárias, de campesinos. Mas o perigo é a privatização. A questão é defender a terra, para que ela continue comunitária. Precisamos complementar com financiamento, tecnologia, mercados e preços justos.