Título: Via Campesina critica Lula por questão agrária
Autor: Menezes, maiá
Fonte: O Globo, 23/01/2007, Economia, p. 28

Líder de movimento cobra promessa de campanha de presidente, que estaria na `contramão¿ de Morales e Chávez

NAIRÓBI. O movimento mundial pela reforma agrária aproveita hoje o palco do Fórum Social Mundial e começa a campanha 2007 com um ídolo e uma decepção. O ídolo é o presidente da Bolívia, Evo Morales, indicado pela Via Campesina (organização internacional pela reforma agrária) ao Nobel da Paz. A decepção foi o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante da questão agrária no Brasil. Para 2007, o movimento programou passeatas e invasões pelo mundo.

O coordenador da Via Campesina e responsável pela campanha, o hondurenho Rafael Alegria, fez ontem duras críticas ao desempenho de Lula e afirmou que ele está na contramão do que considera a vanguarda latino-americana, sintetizada nas políticas de Evo Morales e do venezuelano Hugo Chávez (chamado de ¿bom amigo¿ por Alegria). Para ele, o governo brasileiro não tem interesse em enfrentar o neoliberalismo.

¿ Ao fazer a reforma, ele estaria cumprindo uma promessa de campanha. Afinal, ele deu esperanças ao povo brasileiro ¿ afirmou Alegria, após debate sobre soberania alimentar.

¿ Que assentamento modelo o governo Lula pode mostrar ao mundo? Ele não fez nem esboço de reforma agrária ¿ criticou João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST.

Fórum teve 46 mil inscritos e custo total de US$5 milhões

A organização do Fórum divulgou ontem balanço do número de inscritos: 46 mil (bem abaixo dos 150 mil previstos pelos mais otimistas). O custo total do evento foi de US$5 milhões, valor ainda não arrecadado pela organização.

A Via Campesina convidou Chávez e Morales a participar de congresso sobre a questão agrária, que acontece em maio, em Mali, na África. O movimento quer que os dois se tornem embaixadores da reforma agrária no mundo.

A representante do movimento na África do Sul, Mercia Andrews, afirmou que também na questão agrária a África é uma ¿lacuna da humanidade¿.

¿ Depois de milhões de anos, a maioria da nossa gente não tem terra para trabalhar ou morar. E hoje não podemos falar em soberania alimentar sem falar em reforma agrária ¿ explicou Mercia, que estima que 60% dos sul-africanos vivem no campo.

África e Brasil têm pontos comuns na luta pela terra, afirmam Alegria e Mercia: a questão só se torna evidente quando há conflitos ou mortes no campo. Mercia lembra que nos últimos 20 anos há guerras em torno da questão agrária na Namíbia, na África do Sul e no Zimbábue. Alegria cita Honduras, seu país de origem, e Brasil (especificamente no massacre de Carajás) como exemplos latino-americanos de países que tratam a luta campesina com violência.

Eles criticam o que chamam de política agrícola voltada para o mercado, que produz para exportação, enquanto a população local enfrenta a fome.

¿ É preciso que os consumidores internacionais perguntem: de onde veio esse alimento? Em que condições ele foi produzido? ¿ disse Mercia.

¿Tirar terra de agricultores e índios é monstruosidade¿

Na palestra, Alegria afirmou que o capitalismo financeiro internacional ignorou a questão agrária por anos. E criticou a Organização Mundial de Comércio (OMC), que chamou de ¿instrumento moderno da globalização mundial¿. Ele afirmou ainda que considera ¿insana¿ a política de combate à pobreza do Banco Mundial, por tratar a terra como um bem, não como direito universal. E lembrou que, forçados por movimentos sociais, Ásia e Indonésia repartiram 10 milhões de hectares de terra com agricultores, ano passado.

¿ A terra para os índios é a mãe terra, bem universal, é identidade, é divina. Tirá-la de índios e agricultores é uma monstruosidade ¿ disse Alegria.

Ele elogiou a atuação dos movimentos agrários na América Latina, lembrando que, há cinco anos, só o Brasil estava na luta pela terra, com o MST.

¿ Agora, como diz meu bom amigo Chávez, as pessoas, na América Latina, passaram a ter uma postura de tomar o poder, e não mais de resistir ao poder.