Título: Desobediência nos tribunais
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 24/01/2007, O País, p. 3

Desembargadores de 14 TJs descumprem ordem de cortar vencimentos acima da lei

Desembargadores e funcionários de 14 tribunais de Justiça que ganham salários acima do limite permitido pela Constituição federal se rebelaram contra a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de cortar seus vencimentos. Eles deveriam receber, no máximo, R$22.111 por mês. No entanto, um levantamento divulgado em novembro pelo conselho revelou a existência de salários de até R$34,8 mil. Ontem, diante do descumprimento da determinação de redução dos valores, o CNJ decidiu investigar os casos de desobediência abriu 14 procedimentos administrativos. Um para cada tribunal que não reduziu os vencimentos acima do teto.

Se ficar provado que os privilégios mantidos são mesmo ilegais, os presidentes dos tribunais poderão ser punidos, inclusive com demissão. Apesar de o conselho não ter editado uma resolução para impor o limite dos salários, a decisão aprovada no plenário do CNJ tem que ser seguida pelos tribunais de Justiça, uma vez que o órgão foi criado com poder de exercer o controle externo do Judiciário. Caso não concordem com os atos do CNJ, os tribunais podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O estudo do CNJ detectou 2.978 servidores de 20 tribunais de segunda instância com rendimentos superiores ao teto. Quando os dados foram divulgados, o conselho fixou prazo até 20 de janeiro para os tribunais cortarem os salários. Mas só cinco tribunais se enquadraram: o Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, em Recife, e os tribunais de Justiça de Bahia, Paraná, Alagoas e Roraima. Os outros enviaram relatórios ao CNJ justificando a manutenção os benefícios.

Acre sequer responde à consulta do CNJ

Os desobedientes são os tribunais de Justiça de Amapá, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. O TJ do Acre, também na lista dos que pagam salários acima do teto, nem comunicou ao CNJ se cortou o não os vencimentos. Por isso, não foi incluído na lista dos 14 tribunais sob investigação.

¿ O tribunal do Acre nem sequer enviou correspondência para relatar a situação. Isso pode denotar alguma irregularidade ¿ disse a presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie.

As investigações administrativas abertas ontem contra cada um dos tribunais vão averiguar se os motivos apresentados têm fundamento legal. O TJ do Acre será chamado a prestar informações sobre sua situação. No dia 31, o colegiado vai se reunir para decidir se aceita ou não as justificativas. Caso a resposta seja negativa, serão abertos processos administrativos contra os presidentes dos tribunais, que ficarão sujeitos a penalidades. Comprovada a irregularidade no fim das investigações, eles poderão ser aposentados compulsoriamente ou até afastados da magistratura.

¿ Tem que se responsabilizar alguém, porque senão essa história não acaba nunca. As penalidades serão impostas se ficar comprovado que o presidente do tribunal agiu com má-fé ou dolo ¿ disse o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Alexandre Azevedo.

Entre as principais justificativas dos tribunais está o argumento de que boa parte dos salários que excedem o limite de R$22.111 já era paga antes de 2005, quando entrou em vigor a lei que regulamenta o artigo da Constituição sobre os limites de vencimentos dos servidores públicos. Segundo os tribunais, esses salários não podem ser cortados porque a própria Constituição não permite que uma lei posterior à definição do valor do salário provoque prejuízo ao trabalhador. Outro motivo são decisões judiciais que permitem o pagamento de gratificações aos servidores com base em leis estaduais.

Como o CNJ tem 14 conselheiros, cada um ficará responsável pela análise de um tribunal. No dia 31, todos os casos serão abertos em plenário. O levantamento original feito pelo CNJ incluiu juízes, desembargadores, funcionários, aposentados e pensionistas de 97 tribunais brasileiros, mas foram encontradas irregularidades apenas em 20 tribunais de segunda instância. O maior número de salários superiores ao teto da categoria estava em São Paulo: 1.208 casos. Também estava no TJ paulista o maior salário do Judiciário, de R$34.814. Atualmente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) está fazendo o mesmo levantamento entre procuradores da República e promotores de Justiça. O resultado ainda não foi divulgado.

O teto do funcionalismo é o salário de ministro do STF, atualmente de R$24.500. Pela Constituição, o teto da segunda instância do Judiciário é 90,25% desse valor ¿ ou seja, R$22.111. Em julho deste ano, o CNJ editou uma resolução proibindo o pagamento de gratificações que, somadas aos salários, resultem em valores acima do teto.

O CNJ encontrou 4.755 contracheques com valores acima do teto. Após exames, verificou-se que alguns benefícios poderiam ser pagos, mesmo que extrapolassem o teto, e ficaram na lista 2.978 casos de irregularidades.

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