Título: O pacote vale uma nota de R$3
Autor: Gaspari, Elio
Fonte: O Globo, 24/01/2007, Opinião, p. 7

As promessas de crescimento econômico feitas por Nosso Guia são como as notas de três reais. Ninguém pode dizer que sejam falsas, pois nunca se viu uma verdadeira. O espetáculo da segunda-feira indicou que terminaram as férias do companheiro e seu pacote não traduziu uma estratégia econômica, expressou apenas uma excitação marqueteira. Ouça-se esse blablablá:

¿Individualmente importantes e complementares dentro de suas respectivas áreas, os projetos sociais e de infra-estrutura selecionados estão estreitamente associados entre si. Na verdade, eles formam ambos um único conjunto voltado para a dupla tarefa de inserir de modo competitivo o país na economia mundial. (¿) A seleção desses projetos obedece a uma finalidade operacional específica: submetê-los, a partir de agora, a um esquema especial de gerenciamento.¿

Parece a parolagem do comissariado. Na verdade, foi parte do lero-lero tucano no lançamento do pacote ¿Brasil em Ação¿, há nove anos. Seis rodovias do pacote desta semana atravessaram invictas cinco anos de tucanos e outros quatro de petistas.

A principal novidade produzida por Nosso Guia foi uma tentativa de avanço sobre o patrimônio dos trabalhadores. Lula pediu ao Congresso que autorize o uso do dinheiro do FGTS para financiar obras públicas passando o risco de crédito dessas transações da Caixa Econômica para um comitê de comissários. Querem jogar entre R$5 bilhões e R$17 bilhões da caixa do FGTS num fundo de infra-estrutura. Se o negócio der errado, caberá ao Tesouro cobrir o buraco. Tesouro de quem? De Lula? De Guido Mantega? Não, o Tesouro dos impostos dos contribuintes. Nosso Guia poderia dar um exemplo de confiança na iniciativa entregando o seu cheque mensal de R$4.509,68 do Bolsa-Ditadura aos sábios que gerenciarão o fundo.

O caráter compulsório desse avanço ofende a lógica. Em 2000 os trabalhadores puderam investir até metade de seu saldo no FGTS em ações da Petrobras. Foram 310 mil os cidadãos que correram esse risco. Tiveram um rendimento de 680% contra 43% da remuneração do Fundo de Garantia. Se o novo Fundo é uma boa idéia, a aplicação pode ser voluntária, desde já, e não daqui a pelo menos dois anos. Se não há tanta certeza assim, as chaves das arcas do FGTS devem continuar onde sempre estiveram, na Caixa Econômica. Essas cautelas são necessárias porque todos os grandes ataques à bolsa da Viúva foram praticados em nome do progresso. Basta puxar pela memória e pensar o que foram os investimentos em Angra 1 e Angra 2 ou na Ferrovia Norte-Sul. Felizmente, ficaram de fora do projeto de Lula as obras de Angra 3 e o gasoduto TransPinel, de Hugo Chávez.

Pena que a ekipekonômica tenha ficado curta de neurônios na hora de trabalhar o estímulo ao financiamento de casas para o andar de baixo. Isso porque ela se revelou espertíssima ao desonerar computadores para o andar de cima. Sempre que se retira um imposto cobrado sobre essas máquinas deve-se comemorar, mas não se pode esquecer que o novo teto de R$4 mil (US$1.900) para a isenção de PIS e Cofins é dinheiro suficiente para comprar os modelos mais caros e potentes do mercado nacional. No mercado americano, esse ervanário compra um daqueles Macintosh de 20 polegadas de dar água na boca.

ELIO GASPARI é jornalista.