Título: Redução de emissões de gases-estufa é ínfima
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 25/01/2007, O Mundo, p. 36

O aumento do uso do álcool combustível proposto diminuiria em menos de 2% o volume de CO2 lançado

O aumento do uso de álcool combustível proposto por George W. Bush em seu discurso sobre o Estado da União teria um impacto ínfimo sobre a redução das emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás do efeito estufa. Segundo especialistas, a substituição de 20% da gasolina por álcool até 2017 representaria uma diminuição de 1,5% no volume do poluente lançado dentro de dez anos e, portanto, não teria qualquer efeito na luta contra o aquecimento do planeta.

Ainda assim, muitos analistas afirmam que o discurso representou um avanço político no posicionamento do governo em relação ao aquecimento global, uma vez que, no passado, Bush já chegou mesmo a questionar a existência do problema.

- É um passo em boa direção - afirmou Nicholas Stern, autor do mais detalhado estudo sobre o impacto do aquecimento global já produzido.

No pronunciamento aos parlamentares, o presidente apresentou a proposta do corte na gasolina basicamente como uma política de segurança energética, cujo principal objetivo é reduzir a dependência dos EUA das importações de petróleo do Oriente Médio. Logo depois, no entanto, ele citou que os avanços tecnológicos "ajudarão a cuidar melhor do meio ambiente e a enfrentar o sério desafio da mudança climática mundial".

Bush fala em estratégia pós-Kioto

A principal autoridade das Nações Unidas na luta contra o aquecimento global, Yvo de Boer, considerou as declarações "muito positivas". A deputada francesa Nathalie Kosciusko-Morizet, relatora da Comissão Parlamentar sobre o Efeito Estufa, elogiou o que classificou de "uma notável mudança de posição".

- Bush colocar no discurso que o problema existe e que é um desafio a ser enfrentado é um bom sinal - avalia o secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, José Pinguelli Rosa, da Coppe/UFRJ. - Até porque sua posição sempre foi a de ignorar ou mesmo negar o problema.

Em entrevista ontem, o presidente foi mais direto ao relacionar os dois temas, afirmando que a redução do consumo de petróleo envolvia interesses "econômicos, ambientais e de segurança" e falando ainda numa estratégia pós-Kioto, cujo cerne seriam as novas tecnologias.

O Acordo de Kioto, que o governo Bush se recusou a ratificar, prevê uma redução de 5% das emissões em relação aos volumes de 1990 até 2012 - mais do que seria obtido com o álcool combustível. A União Européia está propondo cortes que podem chegar a 30% até 2020, também em relação a 1990. E as próprias indústrias americanas apresentaram na semana passada um projeto de redução de 10% a 30% dos gases-estufa ao longo dos próximos 15 anos. Os EUA são os maiores emissores de CO2, respondendo por um quarto do total mundial.

Álcool de milho é mais poluente que o de cana

Por isso, do ponto de vista prático, o posicionamento de Bush desagradou tanto ambientalistas quanto políticos democratas - agora em maioria no Congresso.

- Estou decepcionado pelo fato de o presidente ter falado tão pouco sobre a forma de lutar contra o aquecimento global - disse ontem o senador democrata Jeff Bingaman, presidente da Comissão de Energia do Senado. - (Bush) desperdiçou uma grande oportunidade.

O álcool combustível emite praticamente tanto CO2 quanto a gasolina. A diferença é que o álcool é obtido a partir do plantio de plantas que, ao crescerem, capturam CO2 da atmosfera. Ou seja, em tese, o período de crescimento da planta neutralizaria as emissões posteriores do combustível. O problema é que o álcool de milho (o mais produzido nos EUA) é bem menos eficiente nesse sentido do que, por exemplo, o álcool de cana de açúcar brasileiro.

Para citar apenas um dos problemas, para destilar o álcool de cana queima-se o bagaço da própria planta. No caso do milho, é usado combustível fóssil no processo. No fim das contas, segundo o especialista Roberto Schaeffer, do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, para cada quilo de álcool de milho produzido são emitidos de 500 gramas até 900 gramas de CO2, dependendo da tecnologia utilizada. No caso da cana, a emissão correspondente é de 100 gramas.

Pelas contas de Philip Clapp, do National Environmental Trust, o aumento do uso de álcool proposto por Bush representa uma redução de 1,5% nas emissões poluentes depois de uma década para a qual já se estima um aumento das emissões de CO2 de 14%. Por isso, sustenta, do ponto de vista do aquecimento não há mudança.

- O objetivo da proposta (de Bush) é diversificar a matriz energética para reduzir a vulnerabilidade externa dos EUA (eles importam 60% do combustível que consomem) e aumentar a vida útil das reservas americanas de petróleo - analisa Roberto Schaeffer. - Para fins de combate às mudanças climáticas isso não resolve nada porque ele vai emitir de qualquer jeito só que ao longo de mais tempo. Além do mais, para fazer uma redução de CO2 inferior a 2%, ele podia simplesmente aumentar um pouco o preço do combustível ou melhorar a eficiência dos veículos.