Título: Conquistamos o espaço para ousar, para fazer
Autor: Fadul, Sergio e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 26/01/2007, Economia, p. 25

Investimento com uso do FGTS terá padrão de governança e não ameaçará o patrimônio do trabalhador, afirma

BRASÍLIA. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ganhou esta semana um companheiro para os próximos quatro anos. Um pequeno computador portátil prateado. Nele está a chave do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apresentado esta semana como o marco do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Nem bem nasceu, o PAC foi bombardeado por críticas. Ontem, Dilma estava serena e disfarçando bem os sinais de cansaço. Exibia orgulhosa o computador. ¿Está tudo aqui. Diga uma estrada que eu mostro tudo sobre ela¿, disse, diante do banco de dados com 577 slides. Ao ser perguntada se o PAC significava o fim da ¿Era Palocci¿, Dilma discordou: ¿Conquistamos o espaço para ousar¿.

Dois dias após o anúncio do PAC, o BC diminuiu o ritmo de queda dos juros. Isso reduz o ânimo e mina o PAC?DILMA ROUSSEFF: Acredito que a questão principal é a manutenção da tendência de queda da taxa de juros, que nessa última decisão do Copom se manteve. Nesse sentido, a decisão é absolutamente pró-PAC. Ou seja, ao sinalizar que há uma diminuição da taxa, a continuidade dessa queda, acho que, nesse sentido, não tem conflito com o PAC. O Copom e o PAC não entram em conflito. O fato de ter mantido uma queda evidencia que há uma trajetória de queda da taxa. E essa trajetória é fundamental para as premissas sobre as quais o PAC está fundado: manter, ao mesmo tempo, crescimento do PIB e mirar, juntamente, uma série de medidas para viabilizar esse crescimento, e a manutenção da robustez fiscal, da consistência e da estabilidade. A trajetória de queda vem no sentido de favorecer essa boa convergência, que é PIB crescendo, juros caindo, relação dívida/PIB caindo e déficit nominal tendendo a zero. A senhora discorda da afirmação de entidades de que o Copom sabotou o PAC?DILMA: Acho que é absolutamente legítima a posição dessas entidades no sentido de querer uma redução maior. Mas estou tentando relativizar o fato de a decisão não ter sido de 0,50, como alguns queriam, e mostrar que até dentro do Copom tinha uma diferença de opinião. O pleito de 0,50 é absolutamente legítimo. Em termos do governo, da sua visão do PAC, é comemorar que houve redução.A sra. acha que a provocação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, no lançamento do PAC, ao presidente do BC, Henrique Meirelles, teve influência nessa decisão?DILMA: Não acredito. É absolutamente esquisito, estranho que tivesse. No contexto em que o ministro falou, dizia: o mercado espera a redução, ou seja, não sou eu ou alguém do governo. Há diferença de opinião. Isso não deslegitima a opinião de ninguém. Há uma formação de expectativas favoráveis em torno da queda e esperamos que seja consistente. Não vemos motivo para essa tendência reverter. Tudo joga a favor. Como a sra. avalia as críticas ao PAC? Os governadores reclamando, parte das centrais protestando, os servidores...DILMA: As reações têm sido normais e boas. A discussão sobre o PAC foi bem entendida pelos agentes que vão participar desse enorme esforço pela infra-estrutura, os empresários privados. E os trabalhadores.E os governadores?DILMA: Talvez não tenham percebido em toda a dimensão que o PAC não diz respeito à nenhuma desoneração sobre tributo existente, arrecadado em termos correntes. O PAC, quando trata de desoneração generalizada numa determinada classificação de produtos, tipo TV Digital e seus equipamentos, ou semicondutores, tenta viabilizar condições para que você possa ter, de fato, investimentos. Ninguém perde receita atual?DILMA: Ninguém perde. Para ser precisa, a única desoneração, não muito expressiva, é a desoneração de perfis de aço, que saiu de 5% para zero. Esse conjunto de medidas tem uma lógica. Mas não desoneramos, não fizemos o gesto com chapéu de ninguém. Os governadores estão reclamando, mas serão beneficiados com a desoneração?DILMA: Na medida em que o governador tem no seu estado um aumento de investimento, vai ter um aumento de arrecadação e ganhar emprego e renda. Nosso objetivo é gerar um ciclo virtuoso. Creio que, em alguns casos, não fomos perfeitamente compreendidos. Talvez por deficiência nossa. O governo não aceita alterar o PAC ou discutir um PAC II proposto por governadores? DILMA: Estamos fazendo uma mobilização na lógica de construir um processo de crescimento econômico, com sólido pilar na estabilidade e na robustez fiscal, da qual não abrimos mão. Por isso, não podem ficar falando que vão colocar no PAC mais isso e mais aquilo. Não tem espaço fiscal! Não estamos fazendo um programa que seja demagógico, que eu não tenha uma restrição fiscal. Só tem um jeito de entrar no PAC: tira um e põe outro. O PAC foi montado em cima de duas coisas: projetos prioritários e exeqüíveis com um horizonte de projeto elaborado. Os governadores reclamam que sequer foram ouvidos.DILMA: Alguns, que estranhamente se manifestaram, conhecem isso. Os governadores aparecem aqui. Recebo governadores sistematicamente e eles vêm com a lista deles de pleitos. Muitos, para não dizer todos, recebi nas duas últimas semanas antes do PAC (...). Não disse nada, escutei e anotei tudo. E a grande maioria (dos pedidos) estava no PAC, para não dizer 99%. Então, a que a senhora atribui essas críticas?DILMA: Temos que tratar isso com normalidade. Mas quando ele faz as obras prioritárias dele, não vamos lá discutir, vamos? Isso aqui é um Orçamento da União! Agora, se a gente opera nas regiões, um dos principais interlocutores nossos é o governador. E o prefeito. Então, se ele falar que uma obra é relevante e a outra não, é óbvio que vou escutar. Tenho obrigação constitucional. Mas só escutar...DILMA: As obras não são uma lista, são um projeto de crescimento para o país. É justo os governadores terem pleito, mas eles têm que perceber é que, para caber qualquer pleito no PAC, algo sairá. A não ser que, no fim do ano, se faça uma revisão, o Brasil cresceu mais, aí tem que abrir espaço fiscal. O presidente falou duas coisas centrais no discurso: que não estávamos fazendo nenhuma negociação com a estabilidade fiscal e monetária do país e, com absoluta responsabilidade, iríamos conduzir o PAC. Não fizemos uma lista e não chamamos nenhuma consultoria para fazer. O PAC é fruto de discussões com governadores, prefeitos, com o próprio governo. Não tenho como, não é por rigidez: se uma obra entrar, outra sai. Há uma âncora na robustez fiscal e outra no crescimento. Não estamos jogando uma contra outra. Qual o indicativo de que o PAC não acabará como um programa só de intenções?DILMA: Classificamos o PAC por aqueles projetos que precisam ser acelerados; outros estão prontos para começar; outros que têm as datas possíveis. Temos um conjunto de projetos num cronograma. Garantimos um fluxo determinado de obras. Fizemos uma separação de valores anuais, está tudo orçado. Criamos um grupo gestor. Não estamos inventando. Não é um teste. O PAC não surgiu, não é um raio no céu azul. Quando começam a aparecer os resultados?DILMA: Já começamos. Tem coisas do PAC andando todos os dias. Tem algumas que estamos preparando para licitar, com as duas Usinas do Rio Madeira. Não é uma ficção. O PAC é um controle de obras e de busca dessa eficiência em andamento. Muitos viram como arrumação de projetos antigos...DILMA: Isso é uma inverdade e um desconhecimento absurdo sobre o estado da infra-estrutura do país. Desde 1982 o governo não tem dinheiro para investir. Depois do período Geisel, você tem muito poucos investimentos. O PAC vai ser um deslanchar de investimentos. Não vamos inventar a roda, vamos fazê-la rodar. E as reações ao uso de recursos do FGTS como fonte de financiamento?DILMA: Não são todas as centrais, é basicamente a Força Sindical. Espero a sensibilidade para o seguinte aspecto: vamos olhar os fundos de investimento de infra-estrutura que autorizamos, que são aqueles onde, se o dinheiro ficar por cinco anos, não paga IR. Estamos entrando numa nova fase de queda da taxa de juros e o que temos que olhar: os investidores em geral vão precisar procurar novas alternativas para colocar suas poupanças. E podem ser esses fundos de investimento (...) Não vejo sentido numa discussão tão acalorada, tão apaixonada. Haverá alguma garantia para o investidor?DILMA: Queremos um padrão de governança, CVM, empresas que tenham nível 2 da Bovespa para poder ser objeto do investimento. Estamos tentando construir um novo padrão de investimento. Não se trata, de jeito nenhum, de detonar o patrimônio do FGTS. E se a obra do fundo fosse o metrô de São Paulo?DILMA: Bom, a Governança desse fundo é que não pode autorizar. Ela vai ter que autorizar de acordo com a robustez dos projetos. O governo teme que o Supremo considere a MP do FGTS inconstitucional?DILMA: Não tememos. O limite para a expansão da folha de pessoal da União corre risco. Não se teme uma reversão no Congresso?DILMA: Espero que não. É um esforço que tem de ser feito pelo país. Se não houver a compreensão de todo mundo para esse momento de transição, vai ser muito difícil colocar o país nos eixos. A gente não faz milagre. O PAC é o fim da ¿Era Palocci¿?DILMA: Essa afirmação é uma incorreção. Por dois motivos. Primeiro, porque quando falam isso e colocam outras eras, chegamos a uma outra era, é uma tentativa de desqualificar esse processo de constituição do PAC, que é coletivo, dos quatro anos de governo nosso, e reflete essa experiência. Passamos por todas as etapas e agora estamos em condição de acelerar o crescimento. (...) Colocamos esse país nos eixos e hoje podemos nos dar ao luxo de fazer isso. Luxo é uma palavra errada, foi com muito suor e esforço. Chegou a hora da ousadia?DILMA: É a hora. Conquistamos o espaço para ousar, para fazer. Mudamos a realidade de 2003. A de 2007 é outra. E, nesse sentido, o PAC é um produto do governo do presidente Lula e não de era nenhuma.MANTEGA E MEIRELLES AFINAM DISCURSO, na página 27