Título: Enquanto isso, na China... expansão de 10,7%
Autor: Scofield Jr. Gilberto e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 26/01/2007, Economia, p. 28

Economia chinesa cresceu puxada por investimentos. Sem previdência social, poupança é o dobro da brasileira

PEQUIM. Enquanto o governo brasileiro tenta mobilizar estatais, empresas privadas, governadores e ministros em torno de um pacote cuja principal meta é elevar o crescimento para 5% ao ano, na China a economia avançou 10,7% no ano passado ¿ ou seja, mais do que o dobro do almejado pelo Brasil. O Escritório Nacional de Estatísticas (ENE) da China divulgou ontem que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de todas as riquezas do país) registrou em 2006 a maior expansão em 11 anos, alcançando 20,94 trilhões de yuans, ou US$2,7 trilhões.

Com isso, o PIB chinês já encosta no da Alemanha, terceira maior economia do mundo (US$3 trilhões).

Os especialistas explicam, porém, que o modelo de Brasil e China são completamente distintos. Mesmo com uma renda média menor, os chineses poupam muito porque têm poucos benefícios sociais ¿ não podem contar com o Estado na aposentadoria nem no sistema de saúde. No Brasil, por sua vez, a lenta expansão da economia tem sido acompanhada por redução da desigualdade social.

A China mereceu uma menção indireta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Na ocasião, Lula afirmou que ¿aqui não se cresce sacrificando a democracia¿ e, segundo assessores próximos ao presidente, tratava-se de referência à China.

¿ A China optou por um modelo autoritário cuja prioridade é o crescimento econômico. A transição democrática não é um assunto que faça parte da agenda ¿ diz o diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni.

China teve US$1,4 trilhão em investimentos em 2006

A prioridade definida pelo governo chinês tem sido alcançada. Também não é para menos: a China investiu em 2006 mais da metade do seu PIB para ampliar a capacidade produtiva do país. No Brasil, a taxa de investimento é de cerca de 20% do PIB. O pacote do governo prevê investimentos públicos e privados de R$500 bilhões até 2010. Na China, a chamada formação bruta de capital fixo somou US$1,41 trilhão só em 2006, numa expansão de 24,5%.

Há recursos disponíveis para investimentos porque os chineses poupam muito. A taxa de poupança na China chega a 45% do PIB. Estima-se que 80% disso venha das famílias chinesas, que precisam poupar para garantir seu sustento na velhice, já que praticamente não há previdência social no país. No Brasil, a poupança não chega a 22% do PIB. E a Reforma da Previdência ficou de fora do PAC.

¿ O problema é que o sistema de previdência no Brasil é muito generoso, não há sequer idade mínima. Muitos se queixam de que o Brasil tem juros altos e câmbio apreciado e alegam que isso trava o crescimento. Com taxa de poupança semelhante à da China, fica fácil ter juro baixo e moeda fraca ¿ afirma Samuel Pessôa, da FGV.

Com poupança elevada, a China, ao contrário do Brasil, não tem déficit público expressivo e, por isso, consegue manter juros baixos. Mas, agora, com a expansão mais vigorosa da economia, os analistas prevêem nova alta dos juros chineses. Hoje, a taxa está em 6,12% para empréstimos de um ano do Banco Popular da China (ontem, o BC brasileiro reduziu nossos juros básicos para 13% ao ano). Em 2006, a China aumentou os juros duas vezes. Ontem, o diretor do órgão oficial de estatísticas do país, Xie Fuzhan, evitou comentar sobre possíveis altas nos juros:

¿ A economia chinesa deve manter o ritmo acelerado de alta este ano ¿ afirmou Xie Fuzhan. ¿ Mas existem ainda problemas na relação irracional entre investimento e consumo e entre o resultado do balanço de pagamentos e a liquidez do sistema.

Ao contrário do Brasil, onde se busca impulsionar o investimento, na China o objetivo é aumentar o peso do consumo no PIB. As vendas no varejo somaram US$979,6 bilhões em 2006 ¿ contra US$1,41 trilhão dos investimentos. Além da poupança doméstica, recursos externos engordam os investimentos. A China recebe entre US$50 bilhões e US$60 bilhões em investimentos estrangeiros diretos. No Brasil, essa cifra foi de US$18,78 bilhões em 2006.

¿ O marco regulatório na China é muito menos estimulante do que no Brasil. Lá, não há segurança jurídica. A diferença é que a China é um país em transição, de abertura comercial recente e, por isso, atrai investimentos e cresce a passos mais largos ¿ diz Langoni.

Desigualdade de renda cresceu na China

Em contrapartida, o crescimento veio acompanhado de maior desigualdade. Estudo recente do Banco Mundial mostra que, entre 2001 e 2003, os 10% mais ricos da China viram sua renda crescer 16% ¿ os mais pobres tiveram queda de rendimento de 2,4%. Mas o país tem investido em educação.

Langoni lembra ainda que, mesmo crescendo a um ritmo mais lento, o Brasil poderá integrar o grupo de países mais ricos do mundo, ao lado da China, como previu o famoso relatório do banco Goldman Sachs que deu origem à expressão BRICs. O banco estimava uma expansão de só 3,5% ao ano até 2050 para a economia brasileira entrar naquele seleto grupo.

*Correspondente