Título: Juízes querem acesso livre a porte de arma
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 27/01/2007, O País, p. 10

Magistrados e promotores se recusam a fazer teste exigido pelo Estatuto do Desarmamento para obter licença.

BRASÍLIA. Juízes estaduais e promotores se rebelaram contra o Estatuto do Desarmamento e se recusam a fazer o exame prático de manuseio de arma para obter o porte federal. Eles não admitem se submeter à Polícia Federal, que regulamentou o estatuto e obrigou todo cidadão a provar que sabe atirar para ter o porte. Entidades ligadas a juízes e promotores alegam que as leis orgânicas de suas carreiras asseguram o porte de arma.

O impasse está criado. Em dezembro, venceu o prazo para o recadastramento de todas as armas do país. Para renová-lo, a PF está exigindo que o dono da arma faça curso de tiro e demonstre habilidade, num exame. Os magistrados recorreram à Justiça. A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), que reúne cerca de 13 mil juízes estaduais, entrou com pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal para suspender a decisão da PF. A presidente do tribunal, Ellen Gracie negou.

O presidente da Anamages, o juiz Elpídio Donizetti, disse que andar armado é prerrogativa de juízes e classificou o Estatuto de Desarmamento de afronta à Lei Orgânica da Magistratura, que seria uma legislação superior:

¿ Em qualquer país civilizado, todo cidadão de bem deve ter uma arma registrada no criado ao lado da cama. Esse estatuto é próprio de um país onde impera a bandidagem.

Os procuradores também reagiram. No fim do ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu não acatar a decisão da Polícia Federal. O conselho enviou recomendação ao diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, de que ¿para o registro de arma de fogo por membro do Ministério Público não seja exigida comprovação de capacidade técnica, assegurando-lhes o registro ou renovação da propriedade da arma da fogo¿. O documento é assinado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que preside o conselho.

O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, também condenou a decisão da PF. Ele questiona a exigência, que considera tão inconstitucional que a entidade sequer entrou na Justiça, como fez a Anamages. Para Cosenzo, prevalece a lei orgânica. Ele afirmou que a medida tomada pela PF é uma retaliação aos procuradores.

¿ É uma picuinha institucional. A Polícia Federal decidiu submeter os integrantes do Ministério Público a uma decisão dela porque somos nós, procuradores, que fazemos o controle externo da polícia. Isso é um absurdo ¿ disse Cosenzo.

¿É um privilégio indefensável desta casta¿

O Viva Rio, entidade não-governamental a favor do desarmamento, criticou a tentativa de promotores e juízes de terem acesso a armas sem necessidade de provar que sabem manuseá-las.

¿ É um privilégio indefensável desta casta de promotores e juízes, que já ganham 20 vezes mais que outros profissionais. Suas majestades não querem se submeter nem a teste psicológico, imagina a teste de arma. Eles não são cidadãos acima da lei, como pensam que são. Quem se julga acima da lei está é fora da lei ¿ disse Antônio Rangel, coordenador do Programa de Controle de Armas do Viva Rio.

O presidente da Anamages estima que todos os 13 mil juízes estaduais têm arma e que metade deve andar com revólver ou pistola nas ruas. Donizetti acredita que os que andam armados têm curso de tiro.

¿ Concordo que não se deve circular pelas ruas com armas sem saber manusear. É um risco para toda sociedade. Os magistrados estão conscientes disso. Mas uma lei não pode se sobrepor a outra ¿ disse Donizetti, que disse deixar sua arma em casa.

A Conamp calcula que, dos 14 mil procuradores e promotores estaduais, menos da metade tem porte de arma. Destes, 20% andam armados. Cosenzo disse que uma solução para o impasse seria o Conselho do Ministério Público baixar uma resolução que obrigasse todos os seus integrantes a fazerem curso prático antes de comprar uma arma.

¿ Em alguns estados isso até já acontece. Os procuradores fazem curso com a Polícia Militar ¿ disse José Carlos Cosenzo, que é proprietário de uma arma, admite não ter aptidão, mas garante que a deixa em casa.