Título: Precisamos parar de chorar miséria
Autor: Berlinck, Deborah e Beck, Martha
Fonte: O Globo, 27/01/2007, Economia, p. 29

Em Davos, Lula defende que cada um assuma suas responsabilidades

Foi um presidente confiante e à vontade ¿ bem diferente do que desembarcou em Davos há quatro anos -¿ que discursou ontem no plenário da reunião anual do Fórum Econômico Mundial. Ele foi interrompido com aplausos quando, de improviso, disse exatamente o que a elite empresarial e política do mundo sentada na platéia queria ouvir:

¿ Eu tenho dito a todos os dirigentes sul-americanos, nós precisamos parar de viajar o mundo chorando a nossa miséria e encontrando o culpado pela nossa desgraça. Precisamos entender que a nossa gente tem responsabilidade com o que acontece na América do Sul e no Brasil. Muitas vezes a responsabilidade é nossa.

Lula começou dizendo à platéia que tinha feito questão de voltar a Davos para mostrar que o Brasil ¿definitivamente encontrou o caminho de se transformar num país sério, respeitado no mundo¿.

¿ Um país que aprendeu a andar de cabeça erguida, que não pede favores ¿ frisou.

Depois, partiu para uma defesa veemente da Rodada de Doha, como é chamada a rodada de negociações para liberalização do comércio mundial. A rodada está paralisada por profundas divisões em alguns setores, sobretudo abertura do mercado agrícola, e corre o risco de fracassar de vez se até junho não houver acordo. É que em junho acaba a autorização que o Congresso americano deu para o governo aprovar um acordo de abertura do comércio mundial sem emendas.

`Só crescimento garante um mundo tranquilo¿

Lula deixou claro que o Brasil perderá se a rodada afundar e fez um apelo para que ¿os países ricos adquiram a consciência de que se não houver acordo na rodada de Doha¿, todo mundo perderá. O presidente bateu forte nos Estados Unidos, sem citar os americanos diretamente:

¿ Se não houver acordo na Rodada de Doha, não adianta culpar o Iraque, não adianta tentar achar que as guerras que ocorrem no mundo serão resolvidas com ajuda financeira de quando em quando. É com crescimento econômico, com geração de empregos e distribuição de renda que nós vamos viver num mundo tranquilo.

E suas críticas aos EUA não pararam aí. Ele disse que o programa de biodiesel brasileiro era um exemplo de área que poderia ser financiada pelos países ricos para ajudar países africanos e a América Central. E emendou:

¿ Para um país grande e rico como os Estados Unidos, em vez de ficar fazendo álcool de milho, que poderia servir para criar galinha, porco, ração animal, poderia financiar projetos de combustível limpo e não poluente.

Às vésperas de uma reunião de ministros hoje em Davos para discutir meios de desbloquear a rodada, o presidente enviou outro sinal: se os países ricos se mexerem para fazer concessões na área agrícola, o Brasil está preparado para abrir seu mercado a bens industriais e serviços.