Título: Deputados divergem sobre fim da verba
Autor: Peña, Bernardo de la e Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 28/01/2007, O País, p. 3

Muitos concordam, no entanto, que benefício compensa falta de aumentos

BRASÍLIA. A verba extra ou indenizatória dá margem a todo tipo de uso, desde a compra de combustível até a contratação de funcionários e gastos de campanha eleitoral. É o que disseram alguns campeões de despesas que consumiram os R$180 mil a que tinham direito em 2006.

É o caso do ex-líder do PDT na Câmara Severiano Alves (BA). Ele declarou gastos de R$36,5 mil com combustível nos quatro primeiros meses do ano ¿ mais do que despendeu nos oito meses seguintes.

¿ Até abril, maio, viajei muito para visitar municípios, fazer campanha. Depois da convenção, não poderia mais utilizar a verba para viagens e passei a utilizar de outra forma ¿ afirma Alves, que se prepara para mais quatro anos de mandato.

Entre os beneficiados que não abriram mão de nenhum centavo da verba, há quem critique o mecanismo, por achar que se trata de uma forma de compensar a falta de aumentos salariais. É o caso do deputado Cezar Schirmer (PMDB-RS). Ele considera baixa a remuneração de R$12,8 mil brutos por mês:

¿ Sou contra. Não têm coragem de dar salário decente e começam a inventar verba.

Para ele, a indenização das despesas custa mais caro ao erário. O raciocínio é que boa parte dos serviços contratados é supérfluo.

¿ Se tenho a verba, vou usar em consultorias que tenho interesse, mas não é uma coisa que seja vital.

O deputado Maurício Rands (PT-PE) pensa diferente:

¿ Se extingue a verba e bota no salário, vão achar que o salário é muito alto. O país só pode ter Parlamento se o mandato realmente tiver condições de ser exercido.

Pedro Fernandes (PTB-MA) argumenta que tem três carros alugados no Maranhão e no Distrito Federal. Suas despesas com combustível ficaram em R$60,3 mil. Na rubrica locomoção, hospedagem e alimentação, declarou gastos de R$117,1 mil.

¿ Quando meus assessores usam seus carros, indenizo o combustível. É um salário indireto para eles. Gasto o que tem na verba. Precisamos de condições para trabalhar.

Para Fernandes, reportagens sobre a verba extra tratam de ¿picuinhas¿. Ele afirma que foi votado em 209 dos 217 municípios do estado:

¿ Eu tenho impressão que sou um deputado correto. Estou entre os dez mais presentes (na Câmara) e, mesmo assim, todo final de semana venho ao estado.

Ricarte de Freitas (PTB-MT) defende seus gastos lembrando que o Mato Grosso é um estado do tamanho de muitos países, sem falar no difícil acesso a certos municípios. Ele declarou despesas de R$113 mil com locomoção, hospedagem e alimentação:

¿ O Mato Grosso é um continente. Para percorrer todos os municípios, tenho de usar avião, e o combustível é mais caro. Tenho de alugar um carro para a representação no estado.

A deputada Laura Carneiro (PFL-RJ) conta que usou o dinheiro para pagar assessores de imprensa e um consultor que atendia também outros parlamentares. Isso foi possível, segundo ela, porque os profissionais foram contratados como pessoa jurídica, isto é, como prestadores de serviços.

¿ Tive jornalista em Brasília, no Rio. Tive assessoria parlamentar específica. Pagava com a verba. Era empresa, não era pessoa física. Aí pode ¿ diz Laura, que não se reelegeu.

Mesmo entre os deputados que não consumiram totalmente os R$180 mil permitidos, há casos de migração de gastos. A deputada Neide Aparecida (PT-GO), depois de gastar R$40.079 com combustível entre janeiro e abril, passou o resto do ano gastando o limite de R$4,5 mil, chegando a R$76.079 em 2006. E, embora tivesse gasto apenas R$4.424 nos quatro primeiros meses do ano com consultoria, nos meses seguintes gastou R$55.325. Ou seja, um total de R$59.749.