Título: Só não mudam os gastos
Autor: Peña, Bernardo de la e Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 28/01/2007, O País, p. 3

A farra da gasolina com a verba extra foi substituída na Câmara pela contratação de consultorias

Além de gastar R$124,9 milhões com salários dos parlamentares e recursos para o pagamento dos funcionários dos 513 gabinetes, a Câmara despendeu no ano passado pelo menos R$81,330 milhões com pagamento aos deputados de verbas extras, conhecidas no Congresso como indenizatórias, uma das caixas-pretas dos gastos do Legislativo. É suficiente para construir 2.900 casas populares ou pagar benefícios do programa Bolsa Família a 113 mil famílias durante um ano.

A verba extra pode ser usada para pagar despesas com locomoção, hospedagem, combustível, contratação de consultores, aluguel, divulgação da atividade parlamentar e segurança e até compra de material de escritório. Todas as despesas têm que ser comprovadas com notas. Por ano, cada deputado pode gastar até R$180 mil.

Levantamento feito pelo GLOBO nas prestações de contas apresentadas por 625 deputados que estiveram na Câmara na Legislatura que termina esta semana mostra que 74 deles gastaram o máximo possível. Uma análise das despesas revela que os parlamentares fazem de tudo para usar o dinheiro. Quando foi estabelecido, em abril, o limite de R$4,5 mil para as despesas com combustíveis, até então consideradas excessivas, os deputados migraram seus gastos e passaram a apresentar notas de despesas com locomoção, hospedagem, alimentação e contratação de consultorias, pesquisas e assessorias técnicas. Ou seja, mudaram o tipo de despesa, mas continuaram gastando o máximo.

O deputado Severiano Alves (PDT-BA) é exemplo de migração de gastos depois do limite para despesa com combustível. Gastou até abril, quando foi criado o teto, R$36.549 com combustível e R$32.028 nos oito meses seguintes. Já com consultoria, o deputado gastou R$107.597. Outro exemplo é Remi Trinta (PL-MA). Ele gastou nos três primeiros meses do ano R$30.473 com combustível e nos outros nove R$34.102, num total de R$64.575. Trinta gastou com consultoria R$21.280, mas seus gastos migraram para locomoção, hospedagem e alimentação. Nos quatro primeiros meses do ano, o deputado tinha gasto R$661 com este objetivo, mas depois da criação do limite para as despesas com combustível gastou R$70,837 mil.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo Federal (Sindilegis), Ezequiel Nascimento, diz que a verba extra serviu para aumentar os salários dos deputados:

¿ A verba indenizatória é salário, todo mundo sabe que é. Tem parlamentar que faz uso com consultoria, outros dão voltas e voltas na Terra com tanto combustível. Antes de tomar posse, o parlamentar é avisado que aquilo é um tipo de salário. E o papel dele (deputado) é arrumar nota. A temperatura da nota, não tem médico para aferir. Não se sabe se é quente ou fria ¿ afirma Ezequiel.

O limite para os gastos com combustível ¿ de 30% dos R$15 mil mensais a que o deputado tem direito ¿ foi estabelecido depois que o GLOBO revelou que os R$41 milhões gastos com gasolina em 2005 dariam para rodar 164 milhões de quilômetros. Mas, embora o limite tenha sido estabelecido, as despesas com combustível em 2006 foram as que mais pesaram.

O deputado Mauro Lopes (PMDB-MG), de janeiro a abril de 2006, gastou R$39.287 com combustível de aeronave, R$13.393 com veículos automotores e R$876 com embarcações. Ou seja, até abril, quando não havia limite, gastou R$52.680 com combustível, e nos outros oito meses as despesas foram de menos de R$30 mil.

Apenas entre os 74 deputados que gastaram toda a verba foram destinados R$3,323 milhões para combustível ¿ o que daria para comprar 1.336.442 litros de gasolina no Rio e rodar 10.691.377 quilômetros.

As despesas com a contratação de consultores, pesquisas e assessores técnicos consumiram pelo menos R$2,177 milhões entre os que gastaram os R$180 mil de verba extra. Para Nascimento, não há justificativa para a contratação de consultorias externas, só em casos excepcionais, já que a Câmara tem funcionários qualificados:

¿ É absurdo e desnecessário. É contratação disfarçada ou coisas impublicáveis.

¿ Usei o que eu tenho direito. Deputado ganha muito pouco ¿ responde Alberto Fraga (PFL-DF), que gastou os R$180 mil com consultorias.

¿ Se é direito, não usar é hipocrisia ¿ concorda Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que gastou o máximo permitido.

¿É difícil fazer um juízo de valor¿

Os gastos do grupo de 74 parlamentares com locomoção, hospedagem e alimentação foram de pelo menos R$3,233 milhões. Não estão incluídos outros benefícios que os deputados também recebem da Câmara: auxílio-moradia e cota de passagens aéreas.

Autor da proposta para limitar os gastos com combustível, o corregedor da Câmara, Ciro Nogueira (PP-PI), argumentou que consultoria é importante para a atuação parlamentar:

¿ Fica muito difícil fazer um juízo de valor. Todo trabalho bem feito é necessário até que se prove o contrário. Quando preciso, uso a consultoria da Câmara e sempre fui bem atendido.