Título: Prioridade ao que é básico e a gente esquece
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 28/01/2007, Economia, p. 34

Sociólogo português faz balanço do Fórum Social, a que acompanha desde sua criação, e critica ausência de Lula

NAIRÓBI. O sociólogo e jurista português Boaventura de Sousa Santos, professor da Universidade de Coimbra, acompanha o Fórum Social Mundial desde sua primeira edição, em 2001. É autor do livro ¿Fórum Social, manual de uso¿, e defende que os encontros, nas próximas edições, promovam referendos sobres grandes temas, como a reforma das Organizações das Nações Unidas (ONU). O sociólogo afirma que o Bolsa Família ajudou a eleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E é taxativo quanto à escolha de Lula, que preferiu o Fórum Econômico de Davos a Nairóbi: ¿Algum assessor deveria ter dito a ele: ou vá aos dois ou não vá a nenhum¿. Sobre os novos temas que a África trouxe à discussão, por sediar o encontro, Boaventura afirma: ¿Aqui, o fórum tornou prioridades aquilo que é básico no mundo e a gente esquece¿.

Que balanço o senhor faz do fórum social na África?

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: Nas primeiras edições, criou-se a idéia de que o fórum era latino-americano, porque aconteceu no Brasil. A realização em Bombaim, na Índia, já foi um grande desafio. Quando se muda de lugar, as prioridades e os protagonistas também mudam. Em Bombaim, o tema das castas, do fundamentalismo religioso e da espiritualidade dominou, com a grande participação das camadas populares. A grande novidade deste fórum na África foi o alto grau de organização dos quenianos.

Que novas prioridades surgiram aqui?

BOAVENTURA: Houve um recorte racial importante. O fórum tornou prioridade aquilo que é básico no mundo e que a gente esquece. A terra e a água são questões centrais. Outra é a grande luta do continente pela saúde pública e pelo desenvolvimento. Que envolve o acesso a medicamentos que podem controlar o HIV. Com o fórum, os africanos puderam acrescentar os temas a uma discussão mundial. Para os que pensam que estamos em uma luta mais avançada, aqui ficou claro que nossa luta é elementar. Fica claro o impacto do neoliberalismo e do neocolonialismo na vida das pessoas.

O que as edições do fórum social já trouxeram de concreto para a melhoria da sociedade?

BOAVENTURA: Passamos de uma cultura de movimentos para uma cultura de intermovimentos. Não havia conexão entre os movimentos sociais na África, por exemplo. Em alguns casos, ativistas africanos se encontraram pela primeira vez neste fórum.

A América Latina foi um tema recorrente neste e em outros fóruns. Como o senhor analisa a situação da região?

BOAVENTURA: A América Latina está na vanguarda da luta contra o imperialismo. Mas o desafio é descobrir até que ponto vai resistir à desigualdade social.

Como anda o governo Lula?

BOAVENTURA: Ele está sendo reformista como disse que seria. Ainda que lentamente. O Bolsa Família foi bem aceito pela população. Seria considerado como o máximo que um presidente pode oferecer, se fosse qualquer outro. Como foi um presidente que veio das camadas populares, a população reconheceu o programa como um primeiro passo do governo. E foi isso o que garantiu a reeleição dele.

Há um debate em torno da aplicabilidade e do objetivo do fórum. O senhor acha que o encontro deve ser apenas um campo de debate de idéias ou defende que tome posições políticas claras, em conjunto?

BOAVENTURA: Defendo que o fórum faça referendos em torno de grandes temas, como a reforma das Nações Unidas. Mas há uma multiplicidade grande de interesses e de pontos de vista, nos temas específicos. E isso precisa ser preservado.

O presidente Lula foi muito criticado no fórum, por ter ido a Davos e não a Nairóbi. O que o senhor acha da opção do presidente?

BOAVENTURA: Algum assessor deveria ter dito a ele que esse é o tipo de situação em que ou se vai aos dois ou não se vai a nenhum. O fórum de Davos é uma escolha errada porque está fracassado. Agora ele até está aproveitando discursos do fórum social, como o combate à fome. As políticas neoliberais fracassaram. E o império econômico americano perdeu espaço para o poderio financeiro chinês.(Maiá Menezes)