Título: Uma nova ponte para Veneza
Autor: Harazim, Dorrit
Fonte: O Globo, 28/01/2007, O Mundo, p. 40

Construção que deverá estar pronta este ano gera polêmica

ROMA. Veneza vai ganhar uma nova ponte, a primeira em mais de 70 anos. Em meados de janeiro, os primeiros pilares foram fincados no Grande Canal para ¿Il ponte di Calatrava¿, que deverá estar pronta para suportar sua primeira carga de turistas em direção aos ônibus e estacionamentos da Piazzale Roma em meados do ano. Seções pré-fabricadas têm sido rebocadas pelo canal nos últimos dois verões e estão prontas agora para serem fixadas em seus lugares.

Projetada por Santiago Calatrava, o engenheiro espanhol cujos projetos surpreendentes em cidades como Dublin, Atenas e Buenos Aires mudaram a idéia que se tem de como uma ponte deve parecer, a ponte de Veneza é muito diferente dos trabalhos que o tornaram famoso. É a alma da discrição: nada de rede de cabos, nenhuma evocação de harpas ou liras ¿ apenas um vôo suave, em formato de arco, de margem a margem, sem meios de sustentação visíveis. É perfeitamente moderna, mas estilisticamente não briga com o ambiente. Ajudando a se incorporar ao cenário está o fato de ser parcialmente construída com mármore istriano, a mais importante matéria-prima de Veneza.

Mas a discrição da ponte não a deixou livre de controvérsias. Houve o preço, 4 milhões (R$11 milhões) chegando a 6,5 milhões (R$18 milhões). A questão da segurança: o longo arco sem pilastras, de acordo com um especialista envolvido na avaliação técnica do projeto, tem que ser preciso em milímetros para funcionar, e sua pressão nas margens tem que ser adequadamente contida. Num artigo publicado no ¿L¿Espresso¿ no mês passado, o professor Gianfranco Rocatagliati adverte que os batalhões de turistas poderiam provocar o seu colapso.

Mas as queixas mais persistentes se concentram ao fato de Calatrava não ter feito a ponte acessível a deficientes físicos. A travessia passa por degraus de vidro, tornando-se difícil para quem usa cadeiras de rodas ou tem problemas para andar, o que, afirmam, contraria as leis italianas.

Tanto a prefeitura de Veneza quanto o escritório de Calatrava foram inundados com cartas de protesto. Duas soluções foram propostas. A primeira era dar a deficientes passes gratuitos para o vaporetto, para que não precisassem usar a ponte. A segunda era equipar a ponte com duas plataformas elevatórias, que funcionariam quando acionadas ao longo do arco. Nenhuma das soluções foram bem aceitas. No mundo ideal, seria ordenado ao arquiteto que voltasse à prancha de desenho e pensasse melhor, mas por razões possivelmente ligadas a sua fama e ao tamanho de seu pagamento, isso não aconteceu.

A prefeitura prometeu agora instalar elevadores ovais que carregarão deficientes pela ponte ¿ embora Calatrava se diga insatisfeito com a medida, e críticos digam que até agora não há nada além de protótipos de ficção científica. Veneza debate no momento se faz uma festa para inaugurar a ponte ¿ ou se é melhor nem pensar nisso.