Título: "Regra para reajuste do salário mínimo vai dar dor de cabeça'"
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Globo, 27/01/2007, Economia, p. B4

Um dos principais interlocutores do presidente Lula em temas econômicos, o economista Delfim Netto acredita que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma tentativa de ¿reconstruir o crescimento econômico do País¿. Mas ele contesta a regra definida para reajuste do salário mínimo. ¿Essa regra vai dar muita dor de cabeça¿, disse, nesta entrevista ao Estado.

O que o sr. achou do PAC?

O fundamental é a recuperação da idéia de que é preciso reconstruir o crescimento econômico do País. A coisa mais importante não é a lista de obras. Alguns desses projetos já foram anunciados e até inaugurados. Com o PAC, o governo passou a se preocupar com esse problema (do crescimento), que estava abandonado nos últimos anos.

O PAC é tímido no sentido do controle das despesas?

Não há a menor dúvida de que o único fator importante no controle das despesas é a regra para o aumento dos gastos com o pagamento do funcionalismo. Lamentavelmente, a regra do salário mínimo vai dar muita dor de cabeça.

Por que?

Por muitos motivos. Não é apenas a correção automática. Criou-se potencialmente um espaço para um tipo de reivindicação complicadíssima por parte dos trabalhadores. Se o salário do aposentado que ganha o mínimo já está determinado, com um crescimento real e correção monetária plena, o trabalhador vai querer saber por que tem que discutir com o seu patrão o seu aumento. É um complicador brutal. Uma brincadeira como essa é de imobilizar o sistema.

É uma indexação, não é?

É uma indexação, mas é muito mais grave que isso. Na globalização, há momentos de maior e menor competitividade de um país; o câmbio melhora e, às vezes, piora. Em cada uma dessas situações, o trabalhador tem que conquistar o seu aumento real. Durante alguns anos, as coisas andaram mal no Brasil e 50% dos acordos coletivos previam correção dos salários com índices abaixo do IPCA. No último ano, houve uma pequena melhoria e 70% dos acordos foram fechados com índices acima do IPCA.

Mas ninguém tem garantia da correção pelo IPCA.

Nem pode ter. Essa garantia significaria que não há mais negociação no mercado de trabalho. Seria congelar o salário real. O que é complicado do ponto de vista do equilíbrio econômico. Acho que não se avaliou corretamente as suas conseqüências.

O sr. não acha que, do ponto de vista fiscal, o PAC deixou a desejar?

A idéia deveria ser a de fixar uma correção das despesas correntes apenas pela inflação. E partir para uma análise da eficiência administrativa. Aliás, isso está citado corretamente no discurso do Lula. Só não está implementado. A leitura do discurso mostra que a pretensão do governo é que o PAC seja uma coisa dinâmica. Porque eu não tenho a maioria das preocupações que as pessoas estão expressando por aí? Porque o presidente anunciou que deseja o crescimento, mas não qualquer crescimento. Ele quer o crescimento com alguma distribuição de renda, com atenção à educação, à saúde; quer o crescimento com absoluto equilíbrio fiscal, com metas de inflação e com o Banco Central autônomo.

A redução do superávit primário em 0,5% do PIB não o preocupa?

Essa medida tem o caráter de aposta. Vamos supor, o que é razoável, que ocorra uma redução de 1,5 ponto porcentual da taxa real de juro entre 2006 e 2007. Se não tiver, é melhor se suicidar! Vamos supor que a economia cresça só 3,5% este ano. Pois, mesmo nesse cenário, os 3,75% do PIB de superávit primário dá e sobra para reduzir a relação dívida/PIB. Agora, vamos supor que não dê nada certo, que setor privado não acredite, que haja resistência do Banco Central, que ele não compreenda que tenha que baixar o juro. Nesse caso, quando chegar junho, o governo corrigirá. Ele tem os instrumentos para corrigir. Aí terá que congelar as despesas, pois não tem jeito.

Foi um banho de água fria a decisão do BC de reduzir o ritmo de queda da taxa de juro no momento em que o governo lançou o PAC?

Todas as justificativas para a redução do ritmo de queda são furadas. Gostaria que fossem publicados os votos e as explicações (dos diretores) para a gente possa checar se eles sabiam o que estavam fazendo.