Título: Nova Sudam, Antigos temores
Autor: Machado, Ismael
Fonte: O Globo, 29/01/2007, O País, p. 3

Órgão ressurge respondendo a 290 inquéritos; Jader tenta emplacar o novo superintendente.

Extinta em março de 2001 e recriada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 4 de janeiro, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) pode já renascer sob o signo da suspeita corrupção que grassou na instituição na década de 90. Existem dentro do armário da antiga Sudam velhos esqueletos que insistem em não ser enterrados. Só no sistema de acompanhamento de processos do Ministério Público Federal há informação sobre cerca de 290 inquéritos abertos entre 2000 e 2006. Todos investigam desvios de verbas do extinto Fundo de Investimentos da Amazônia (Finam), por empresários que inventaram diversas maneiras de fraudar os mecanismos de controle oficial e causaram um rombo calculado em quase R$2 bilhões.

Só no Pará, onde se concentrou a maior parte das investigações, foram abertos cerca de 210 inquéritos. Muitas das apurações iniciadas após a extinção da Sudam em 2001 acabaram arquivadas. Mas várias deram origem a processos judiciais. Das 60 ações ajuizadas em todo o país relacionadas a fraudes na Sudam, 42 tiveram início no Pará.

Num processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), com relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, figuram alguns nomes conhecidos do que ficou conhecido como escândalo Sudam: o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou em 2001 para escapar da cassação por seu envolvimento no caso; o empresário José Osmar Borges, o maior fraudadores da Sudam; e Artur Guedes Tourinho, afilhado político de Jader, encabeçam a lista de acusados. Foi Jader quem nomeou Tourinho superintendente da Sudam. No processo, o deputado é acusado de chefiar a quadrilha.

Jader tenta costurar acordos na surdina

Jader teve ligações com Borges, responsável por cinco empreendimentos que teriam desviado R$133 milhões do Finam. Borges foi denunciado como articulador das fraudes. Jader também foi envolvido no escândalo do projeto Usimar, que teria obtido R$690 milhões da Sudam com um projeto aprovado numa reunião do Conselho Deliberativo presidido, na época, pela hoje senadora Roseana Sarney (PMDB-MA).

O caso rendeu uma denúncia criminal que acabou rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal por um detalhe jurídico: os ministros consideraram que os procuradores da República de primeira instância não eram competentes para processar Jorge Murad, que era secretário do governo do Maranhão na época em que Roseana, a sua mulher, era governadora.

Mesmo envolvido até o pescoço no escândalo da Sudam, Jader Barbalho, que integrou o conselho político da campanha de Lula à reeleição, disputa novamente o direito de nomear o novo superintendente da Sudam. Mesmo com o presidente Lula deixando em aberto a data da implantação da autarquia, nos bastidores é dado como certo que ela ficará sob influência direta de um destes três políticos: Jader, o senador José Sarney (PMDB-AP) e, correndo por fora, o ex-governador do Acre Jorge Viana (PT). Jader tem costurado em surdina acordos para emplacar um nome na direção da Sudam.

Sarney, que não conseguiu indicar um correligionário para a presidência da Eletronorte, pode usar essa perda como vantagem futura. Viana, apesar da forte influência junto a Lula, aparece menos chances, já que teria emplacado um nome na presidência do Banco da Amazônia (Basa).

O nome que seria de agrado de Jader, e que pode ser indicado por consenso com a concordância de Sarney e Viana, é o do atual diretor da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), Djalma Melo. Considerado até pelos adversários como de bom trato, Melo é ligado aos senadores Arthur Virgílio (PSDB) e principalmente ao ex-tucano Luiz Otávio (PMDB), de quem já foi chefe de gabinete.

Para Ministério Público, fiscalização é deficiente

Uma fonte ligada a Jader Barbalho diz que o deputado paraense gostaria de ver Melo no comando da Sudam. Para isso, um acordo teria de ser feito com Sarney e o comando da Eletronorte poderia entrar como uma moeda de troca.

A possibilidade de que a nova Sudam herde os vícios da antiga é o que mais preocupa o procurador da República Ubiratan Cazzeta, autor de várias ações contra irregularidades no órgão. Segundo ele, a fiscalização exercida pela Sudam era extremamente informal.

¿ Aceitava-se qualquer tipo de documento. Até coisas fáceis de ver, como aquisição de carro zero de uma marca que era vendido por outra revendedora. Tinha um outro problema sério que era o critério de aprovação dos projetos. Os valores já vinham completamente distorcidos, e isso não era objeto de uma análise. Houve um caso em Mato Grosso em que, numa carta consulta, um computador custava R$15 mil.

Ao sancionar a lei que recria a Sudam, o presidente Lula comemorou o fato de que a autarquia ressurgiria blindada contra fraudes. O procurador lembra que, quando o Ministério Público interveio na Sudam, o órgão não tinha sequer uma relação sistematizada de projetos que já tinham sido liberados.

¿ Essa falta de preocupação com a fiscalização é que nos preocupa. Essa suposta blindagem à prova de fraudes não existe. Não conseguimos ver onde está essa blindagem. É uma instituição que não tem servidores definidos. Não está claro quem vai trabalhar nessa nova Sudam. Qual é o quadro? Qual é o perfil dessas pessoas? Não dá para definir hoje que essa nova Sudam nasce com gente qualificada tanto para aprovação como para fiscalização de projetos ¿ disse Cazzeta.

Ironicamente, entre tantas fraudes milionárias, o único processo que rendeu condenação é de um desvio de R$ 320 mil. O então superintendente da Sudam José Artur Guedes Tourinho liberou esse montante para uma entidade que ele mesmo dirigia, a CTI-Amazônia, assinando ao mesmo tempo como cedente e beneficiário da verba. Pelo descaso com as regras mínimas de decência administrativa, foi premiado com a única sentença condenatória originada pelo escândalo Sudam. Ele teve todos os bens bloqueados e recorre da condenação no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Mesmo assim, foi premiado, por influência de Jader, com a presidência da Junta Comercial do Pará, pela governadora Ana Júlia Carepa (PT).

A nova Sudam vai abranger os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e parte do Maranhão. A lei que recria a Sudam, em substituição à ADA, foi aprovada no Congresso no final de novembro deste ano.