Título: Muita chuva, pouca obra
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 29/01/2007, Economia, p. 15

Nível dos reservatórios é recorde, mas só 41% das obras do PAC em energia estão em dia

As chuvas intensas que caíram em janeiro, principalmente no Sudeste, abarrotaram de água os reservatórios das mais importantes usinas hidrelétricas do país. O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, disse que foi o maior volume de chuvas no mês de janeiro dos últimos 74 anos. Chipp afirmou que as chuvas ¿ que fizeram os reservatórios atingirem níveis de cerca de 80% da sua capacidade ¿ já garantiram o abastecimento de energia para este ano e 2008, mesmo que a região seja castigada por uma forte seca. Mas o problema está nos anos seguintes. O especialista Adriano Pires Rodrigues, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), advertiu que do total de 12.386 megawatts previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo na última semana, de aumento de oferta de energia até 2010, apenas 41% estão com obras em dia.

O dirigente do ONS, órgão responsável pela operação do sistema elétrico nacional, adverte ainda que, para atender as metas de crescimento da economia previstas no PAC, o governo federal terá que correr contra o tempo. Isto porque, de acordo com Hermes Chipp, o atendimento do mercado a partir de 2009 depende fundamentalmente da execução de diversas obras de usinas hidrelétricas e térmicas, assim como do aumento da oferta de gás natural para geração de energia. A maioria das obras está parada ou em atraso ¿ entre elas, as da usina hidrelétrica de Santa Isabel, com potencial de produção de 1.087 megawatts (MW), em Tocantins, e as do Estreito em Goiás, com capacidade de gerar 1.080 MW ¿ devido à falta de licenças ambientais.

O diretor-geral do ONS destacou que a partir de 2009 são fundamentais as construções de diversas hidrelétricas, além dos projetos da Petrobras.

¿ Para o atendimento do consumo após 2008 é vital a conclusão de várias hidrelétricas, e do aumento da oferta de gás ¿ ressaltou Chipp.

De acordo com o diretor-geral do ONS, do total de 4.850 megawatts de energia de usinas térmicas, apenas 2.150 megawatts estão disponíveis. O restante está fora do sistema por falta de gás natural.

Já Adriano Pires Rodrigues explicou que se as obras paradas não forem executadas, o Brasil não terá a energia suficiente para bancar o crescimento.

¿ O lado positivo do PAC é que prioriza o setor de infra-estrutura. Mas o desafio de desatar todos os nós para que essas obras sejam concluídas a tempo é muito grande ¿ destacou Adriano Pires.

Por sua vez, Mauro Andrade, gerente da Área de Petróleo, Gás e Energia da Deloitte, concorda que o fornecimento está garantido apenas a curto prazo e que há uma série de dúvidas a partir de 2009, como obras atrasadas por falta de licenciamento ambiental e a falta de gás para as térmicas. Andrade menciona ainda o fato de os projetos para o setor elétrico terem ficado parados quase dois anos, no primeiro mandato de Lula, à espera da elaboração do novo modelo.

¿ Se as obras atrasarem e as previstas para depois de 2010 não saírem do papel, como as usinas de Belo Monte, as do projeto do Rio Madeira, a usina nuclear de Angra 3, e o aumento da oferta de gás, o crescimento futuro da economia ficará seriamente comprometido ¿ alertou Andrade.

O professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ Roberto Schaeffer lembrou que quando o governo fala que o mercado estará atendido até 2010, se refere apenas aos consumidores cativos. Porém, cerca de 25% do mercado são consumidores livres, que compram energia a curto prazo. Segundo ele, a energia que é consumida por esses grandes consumidores não está sendo considerada no cálculo do governo em relação ao atendimento futuro.

¿ O PAC é uma capa nova num caderno velho. Se o país quiser crescer a 5% ao ano a energia é fundamental e o mercado está garantido apenas no curto prazo ¿ afirmou Roberto Schaeffer.

`O gargalo pode ser o setor elétrico¿

Já o coordenador do programa da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, alerta ainda que existem muitos problemas a serem superados, como a falta de gás que faz com que as usinas existentes deixem de gerar 2.700 megawatts.

¿ O gargalo para o crescimento do país pode ser o setor elétrico. O governo precisa enfrentar os problemas, e isso não está claro. Na realidade está tímido ¿ alertou Pinguelli Rosa.

Segundo dados inéditos do ONS, no mês de janeiro já choveu na região Sudeste 70% acima do volume de chuvas para os meses de janeiro dos últimos 74 anos. No Nordeste, por sua vez, já choveu 20% acima da média histórica para a região. O diretor-geral do ONS disse que, por causa das chuvas, está garantido plenamente o fornecimento de energia neste e no próximo ano, mesmo que venham a ocorrer agora períodos muito secos.

Hermes Chipp estima que até o fim de janeiro o nível dos reservatórios do Sudeste deverá atingir quase 80% de sua capacidade, ao passo que os do nordeste alcançarão 75% do total.