Título: O Legislativo está sem rumo
Autor: Maia, Rodrigo
Fonte: O Globo, 30/01/2007, Opinião, p. 7

A partir de fevereiro teremos um novo parlamento com problemas antigos e muito trabalho para aqueles que acreditam ¿ de fato ¿ que não há democracia sem poder legislativo. A crise que atingiu o Estado nos dois últimos anos não foi apenas ética, mas também política, e desorganizou a própria base de sustentação do governo. Passamos os últimos meses da legislatura com uma pauta improvisada, produto da pressão das corporações. Corporações dos poderes, seja do Judiciário, como de dentro do Executivo e do Legislativo. Não existiu na base do governo uma liderança que organizasse e coordenasse seus interesses e evitasse tanto o casuísmo como a criação de cargos. A pauta ficou mais uma vez restrita às medidas provisórias, prática dos últimos governos, exacerbada no governo Lula.

O desafio do novo parlamento será, certamente, responder à sociedade na questão ética, mas também construir uma pauta de prioridades que possa responder aos interesses permanentes da sociedade, harmonizando o desenho de nossa federação. As prioridades desde o início dessa nova legislatura começam com a criação de mecanismos de controle dos poderes Executivo e Legislativo, que previnam e evitem os desvios de conduta que impactaram moralmente o governo Lula e o Congresso. É fundamental transferir para as comissões temáticas as discussões das partes próprias do orçamento, cabendo à comissão central apenas a compatibilização. Cabe dar à controladoria e à advocacia gerais da União estruturas profissionais enquanto funções de estado, com autonomia técnica e ocupação dos cargos apenas por servidores concursados e de carreira.

É preciso, ainda, terminar com as medidas provisórias, uma excrescência num regime democrático, tão grave quanto os decretos-leis do regime autoritário. Há anos que não se votam os vetos do presidente, o que torna incompleto o processo legislativo. O presidente do Congresso precisa ter essa obrigação. Os vetos ficam guardados na gaveta do presidente do Senado. Isso, aliás, vem desde o governo anterior. Com a não-votação, as leis aprovadas ¿ com vetos ¿ ficam incompletas. Surpreende que o poder executivo sequer tenha sinalizado em relação às reformas política e tributária, tão destacadas durante a campanha eleitoral.

Defendo uma reforma profunda em nosso sistema eleitoral, com a adoção do voto distrital, a única forma de criarmos um compromisso dos deputados com os eleitores. A economia brasileira está entravada, mas é pela absurda carga tributária, que tem que ser reduzida progressivamente. O ¿pacote de crescimento¿ do governo federal é, na verdade, uma armadilha que tem como objetivo rolar a CPMF e a DRU. Não há como votá-las sem uma previsão de redução e de participação de estados e municípios.

A Câmara precisa voltar a ter iniciativa de leis e não se concentrar quase tão-somente nas leis propostas pelo poder Executivo. Harmonia sim, mas com a independência afirmada na Constituição para tratar dos assuntos que preocupam o povo brasileiro. Por outro lado, é urgente criar uma comissão especial para discutir e votar a regulamentação da emenda 29. A crise na saúde alcança a todos, e a falta de regras leva aos desvios de recursos para outras finalidades. Também ficou faltando a discussão do marco regulatório do Saneamento, pois a lei aprovada valerá pouco se não for definida a condição de titularidade de estados e municípios deixada para o poder judiciário. Esta é uma obrigação do poder legislativo.

Outro ponto fundamental é a regulamentação da LRF. O Ministério da Fazenda está invadindo competências que não são suas, assumindo o papel do conselho proposto pela lei. Urge regulamentar o artigo da LRF que inclui as terceirizações como gastos de pessoal. Talvez isto explique porque tantas contratações abusivas. São inúmeras as matérias na imprensa que denunciam a utilização de terceirizados via empresas ou ONGs, o que serve para fugir do teto de gastos de pessoal. A aprovação do teto salarial dos três poderes é básico para se evitar remunerações ocultas e disfarçadas no poder público.

A preocupação da Casa com o grave problema fiscal de estados e municípios deve estar em discussão permanente. A estratégia dos governos federais após a Constituição de 1988 de criar contribuições concentrou na mão da União recursos que deveriam ser compartilhados com os entes federados. Isso explica a eliminação da capacidade de investimento de estados e municípios. Todos hoje são pedintes do governo central.

Outra questão estratégica é a discussão, na Comissão de Educação, dos mecanismos para se conseguir a universalização da educação infantil ¿ creches e pré-escola, base da escolarização ¿ em médio e longo prazos. As prioridades do Bird e do BID apontam nesta direção. A questão do aquecimento global, prioridade no mundo todo, deve estar em pauta e aberta à sociedade. Sequer teve espaço no discurso de posse do presidente. Há que se acabar com a falsa separação entre defesa do meio ambiente e defesa do desenvolvimento. Estas são prioridades para o próximo Legislativo. Desafios importantes que recolocarão a Câmara dos Deputados no seu papel de vanguarda, representando a esperança de um país melhor para todos os brasileiros.

RODRIGO MAIA é líder do PFL na Câmara dos Deputado .