Título: Meio trilhão em juros
Autor: Duarte, Patricia
Fonte: O Globo, 01/02/2007, Economia, p. 23

Brasil gastou R$ 590 bi com encargos da dívida no primeiro mandato de Lula

O setor público brasileiro - que reúne os governos federal, estaduais e municipais e as estatais - parece ter enterrado, em 2006, a era do ajuste fiscal rigoroso. As três esferas de Poder optaram por gastar mais em 2006, ano eleitoral. Mesmo cumprindo a meta de superávit primário (receitas menos despesas, sem contar o pagamento de juros) de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o esforço fiscal ficou em 4,32%, muito abaixo dos 4,83% de 2005. O setor público economizou um total de R$90,144 bilhões, R$3,361 bilhões a menos do que em 2005. Mas os encargos da dívida pública em valores bateram recorde e somaram R$160,027 bilhões, ou 7,66% do PIB.

Ao longo dos quatro anos do primeiro mandato do presidente Lula, o país desembolsou nada menos do que R$590,639 bilhões para o pagamento de juros, enquanto o superávit primário foi de R$330,935 bilhões. O custo do juros supera em quase R$90 bilhões o volume de investimentos previstos até 2010 no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, divulgado pelo governo na semana passada). E equivale a mais de 13 vezes o que o governo gastou com saúde em 2006. Ou a quase 70 vezes os gastos previstos com as 11,1 milhões de famílias a serem atendidas este ano pelo Bolsa Família.

Em ano eleitoral, a contribuição de estados, municípios e União para o esforço de ajuste das contas públicas em 2006 caiu significativamente. Até o Projeto-Piloto de Investimentos (PPI, que permite reduzir do superávit primário gastos com investimentos) foi usado pela primeira vez para acertar os números. Como o pagamento de juros foi superior ao superávit primário, o resultado final foi um déficit nominal de R$69,883 bilhões (3,35% do PIB), informou ontem o Banco Central (BC).

Esforço fiscal deve ser menor este ano

Os números de 2006, avaliam os especialistas, indicam que o superávit primário dos próximos anos deverá ser menor, ainda mais com os planos de investimentos presentes no PAC. Eles representarão gastos em patamares elevados.

- Boa parte do esforço de anos anteriores já ficou para trás. É provável que fiquemos próximos da meta daqui para a frente - avaliou o economista sênior da Unibanco Asset Management, José Luciano Costa.

Ele acredita que o governo usará o limite de 0,5% do PIB para investimentos dentro do PPI e, assim, reduzirá o superávit primário, na prática, dos 4,25% da meta para 3,75%. O menor esforço fiscal em 2006 foi conseqüência, segundo especialistas, sobretudo dos reajustes salariais concedidos aos servidores públicos no período. O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, refuta a idéia de que as eleições de 2006 tenham influenciado o comportamento dos gastos públicos. Para ele, pesaram mais os gastos sociais do governo, como o Bolsa Família, e os investimentos em geral.

- A Previdência pesou bastante também - acrescentou ele.

Estatais garantiram resultados de 2006

Durante o primeiro governo Lula, as despesas com benefícios previdenciários foram as que mais cresceram: 88%. Elas passaram de R$88,027 bilhões, ou 6,54% do PIB, no fim de 2002 para R$165,585 bilhões, ou 7,93% do PIB, no fim de 2006.

Mas os gastos com custeio e capital - onde estão as despesas com a máquina pública, mas também os investimentos - não ficaram muito atrás. Eles subiram 77,5% nos últimos quatro anos (sem descontar a inflação), enquanto os gastos com pessoal tiveram elevação de 47,7% no período. Segundo dados do Tesouro, as despesas totais do governo central, que incluem Tesouro, Previdência e Banco Central (BC), subiram 72,5% no primeiro mandato, passando de R$232,204 bilhões no fim de 2002 para R$400,669 bilhões em 2006.

No ano passado, o governo central (Tesouro Nacional, INSS e BC) contribuiu para o superávit primário com economia de R$51,352 bilhões e os governos regionais (estados e municípios), com R$19,715 bilhões. Foram quedas de 7,87% e de 7,54%, respectivamente, frente a 2005. Só a Previdência registrou déficit de R$42,065 bilhões no ano passado, cerca de R$4,5 bilhões a mais do que em 2005.

Já as empresas estatais economizaram R$19,077 bilhões e foram as únicas que melhoraram o desempenho em relação ao ano anterior, quando contribuíram com R$16,440 bilhões. Na prática, garantiram o desempenho fiscal do setor público.

O economista da consultoria Tendências Guilherme Loureiro chama a atenção para a possibilidade de continuar havendo maiores gastos correntes (com a máquina pública, pessoal). O ideal, acrescentou ele, seria o governo cortar essas despesas, e não compensá-las com mais arrecadação tributária.

- Mas o governo está dando sinais de que o ajuste (para gastar mais) virá mesmo do superávit primário - afirmou ele, referindo-se ao uso do PPI e a conseqüente redução da meta fiscal.

Em dezembro, o setor público registrou déficit de R$6,453 bilhões, número já esperado por conta da maior concentração de pagamentos, como o 13º salário do servidor público. No mês, o governo central registrou déficit de R$5,763 bilhões, enquanto os estados tiveram déficit de R$2,013 bilhões. O resultado só não foi pior porque as empresas estatais fizeram superávit de R$1,323 bilhão.

No mês passado, a dívida líquida do setor público chegou a R$1,067 trilhão, o que equivale a 50% do PIB. Em dezembro de 2005, estava em 51,5% do PIB. Para 2007, a expectativa do BC é de que a dívida recue para 48,8% do PIB. Se confirmada essa projeção, a taxa voltará ao patamar de 2000.

COLABOROU Martha Beck

RENÚNCIAS NÃO ENTRARÃO MAIS NO DÉFICIT DO INSS , na página 24