Título: Saída difícil
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 01/02/2007, Economia, p. 24

O governo se perdeu num descaminho sobre o debate da Previdência. Há um grupo de especialistas que sempre sustentou que o déficit não existe. São herdeiros dos que diziam que o déficit público era uma ilusão de ótica na época da hiperinflação. Se forem mudados todos os números de lugar e trocados todos os guichês pagadores, que diferença fará? O Brasil continuará sendo um país extremamente jovem com a previdência quebrada.

Sinceramente, que sentido faz dizer que, dos R$42 bilhões de déficit do INSS, R$18 bi serão transferidos para o Tesouro? Como se houvesse outra fonte pagadora do Brasil que não o Tesouro, ou seja, todos nós contribuintes. Como a Previdência arrecada um volume insuficiente de recursos, a diferença sempre foi coberta pelo Tesouro.

Um ponto a favor é que torna mais transparente o subsídio. E transparência, quanto mais, melhor. Só quem acha que transparência demais é burrice é o notório Delúbio Soares. Seria bom se todos os subsídios estivessem explícitos, como, por exemplo, aquele que se dá aos empresários brasileiros de diversas áreas na concessão de crédito através dos bancos oficiais.

Só que, mesmo tirando fora todos os subsídios embutidos, a arrecadação é insuficiente. Mas aí entra outro contorcionismo contábil: e se a CPMF for usada para isso? Se assim for, não esconderá o fato de que há um desequilíbrio no INSS: ele não se paga com as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores.

E estamos falando apenas dos trabalhadores do setor privado. A jornalista Cláudia Safatle trouxe, no jornal "Valor" de ontem, mais um dado: a Previdência do Setor Público Federal fechou o ano em R$35 bilhões de déficit; isso para pagar as aposentadorias e pensões de apenas 1 milhão de brasileiros.

Mas alguns ponderam: e se o governo recolhesse a contribuição patronal? O déficit não seria menor? Seria, mas, mesmo assim, continuaria sendo enorme.

O gasto brasileiro com seus aposentados não faz qualquer sentido; seja qual for a conta, sejam quais forem os noves fora, seja qual for o guichê burocrático que será responsabilizado contabilmente para assumir o déficit. O Brasil é jovem; ainda é extremamente jovem. Mas já está escrito na nossa demografia que será cada vez menos jovem daqui para diante. Já está escrito no sucesso das nossas políticas públicas que estamos vivendo mais e, portanto, a média de idade no futuro será mais alta e seremos mais longevos.

Hoje temos 10% de brasileiros com mais de 60 anos; 6% de brasileiros com mais de 65 anos. Ou seja, 94% dos brasileiros são mais jovens que Roberto Carlos, por exemplo, e mais de 90% são mais jovens que Chico, Caetano e Gil. Como é que a gente pode estar encrencado com esse assunto tão cedo?

Respostas: erros do passado. Um deles, a aposentadoria precoce. Em artigos neste jornal, Ali Kamel mostrou vários dados impressionantes. Dos brasileiros que estão aposentados hoje pelo INSS, 36,62% se aposentaram com menos de 50 anos. Se a conta for feita só com os homens, são 41,5%. Com menos de 55 anos, aposentaram-se 54,76% das pessoas em geral, e 63,2% dos homens. Se o ponto for 45 anos, são mais de 18% os que se aposentaram com essa idade ou menos. No setor público, 34% se aposentaram com menos de 50 anos e 56,8% com menos de 55 anos. Aliás, no setor público, foi incluída a idade mínima depois de muita briga e três reformas, mas, no privado, o Brasil, como o GLOBO mostrou ontem, é um dos seis países do mundo que permanece sem esse limite. Os outros são Nigéria, Eslováquia, Argélia, Turquia e Egito.

Os países ricos não só já adotam há muito tempo idade mínima, como já mudaram esse limite diante do aumento da expectativa de vida. Independentemente de serem ou não superavitários nas contas públicas. A Noruega, por exemplo, que, por causa do petróleo, tem enorme superávit primário, tem, há muito tempo, idade mínima.

O Brasil tem um gasto/PIB com aposentados maior que Holanda e Reino Unido, que têm percentuais de idosos três vezes maiores que o nosso. A lista dos que gastam menos que o Brasil relativamente ao PIB é enorme.

Os números são muitos e convincentes. Mas, deixando-os de lado, o que mais assombra é a quantidade de adeptos da idéia de que esse problema possa ficar para mais tarde. Previdência é o tipo de assunto que se pensa de véspera. A forma de fazer o cálculo é atuarial. Pensamos agora o que teremos que gastar no futuro. Os Estados Unidos já reformaram a sua e vão ter que enfrentar o problema de novo porque agora estão chegando aos 60 anos os baby-boomers, os cidadãos nascidos no boom do pós-guerra.

É irracionalidade coletiva não enfrentar o problema e tentar escamoteá-lo por manobras contábeis que não enganarão a demografia. O Brasil tem hoje 16 milhões de pessoas com mais de 60 anos; em 2030, terá 40 milhões. Daí para diante, aumentaremos rapidamente a idade média do brasileiro. Não é fácil saber qual a solução, ou, melhor dizendo, quais são as soluções para o problema. O que, sim, já se pode garantir é que a Previdência tem um desequilíbrio extemporâneo e forte que, a curto prazo, ficará insustentável. A médio e longo prazos, não fazer nada será contratar uma tragédia.