Título: Ditadura da democracia
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 01/02/2007, O Mundo, p. 32

Vice de Chávez defende lei que dá superpoderes a presidente, aprovada em praça pública

Como era esperado, a Assembléia Nacional venezuelana aprovou ontem, por unanimidade, o projeto de Lei Habilitante que concede ao presidente Hugo Chávez o poder de governar por decreto por 18 meses. A votação foi realizada literalmente em praça pública, no centro de Caracas, com a participação do vice-presidente do país, Jorge Rodríguez, que representou o presidente na cerimônia.

- Ditadura é o que havia antes - disse Rodríguez, negando que os poderes excepcionais de Chávez sejam o anúncio de um regime de exceção. - Se alguém vir traços ditatoriais serão os de uma ditadura da democracia verdadeira, que se instaura para sempre na Venezuela.

Os novos e amplos poderes do presidente foram aprovados com o voto simbólico dos 167 deputados chavistas, que se levantaram e ergueram as mãos no momento em que a presidente da Assembléia, Cilia Flores, colocou a proposta em votação.

Sem tentar sequer parecer ser a líder de um poder constitucionalmente independente do Executivo, Flores exclamou pouco depois da votação.

- Que viva a pátria de Bolívar, que viva o povo soberano, que viva o presidente Hugo Chávez, que viva o socialismo. Pátria, socialismo ou morte. Venceremos - discursou ela.

Centenas de partidários de Chávez também foram ao local.

- Um homem que chega ao desprendimento de pegar em armas para lutar por um povo, e conseguir a felicidade de um povo, merece não só poderes especiais. Merece um lugar no céu - disse Juan Rodríguez, um artesão de 52 anos que esteve na praça.

Já outros reconheceram que não estavam lá por opção. Pedro Parra, empregado da rede de supermercados estatal Mercal, disse ter até assinado uma lista de presença no local.

- Tenho que fazer meu trabalho - explicou, para logo completar: - Eu vim em apoio à Assembléia e respeito o comandante (Chávez).

O presidente dos EUA, George W. Bush, criticou ontem, em entrevista à rede FoxNews, as reformas políticas e econômicas de Chávez:

- Estou preocupado pelo povo venezuelano, com a diminuição da instituição democrática, e também com os esforços de nacionalização que podem ou não acontecer

A polêmica Lei Habilitante, aprovada por uma Assembléia inteiramente composta por chavistas devido ao boicote da oposição às eleições de 2005, permitirá ao presidente legislar em todas as áreas de governo. Chávez poderá avançar na implementação do chamado socialismo do século XXI, adotando medidas como a nacionalização de empresas consideradas por ele estratégicas para o país, como a da Companhia Anônima de Telefones da Venezuela (CANTV).

O governo também estatizará empresas do setor energético, o mais importante para a economia venezuelana, e reformará normas vinculadas às áreas de saúde, educação, segurança, defesa, serviços financeiros, tributários e comerciais. Segundo explicou o deputado Carlos Escarrá, a reforma legislativa venezuelana será realizada em duas etapas: até setembro deste ano serão elaborados os projetos de lei, e nos nove meses seguintes o governo implementará as novas normas constitucionais do país.

- Entre os novos instrumentos estarão as reformas das leis de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) e, em matéria se segurança, a nova lei da Polícia Nacional - afirmou o deputado chavista.

Esta não é a primeira vez que poderes especiais são garantidos a um presidente venezuelano. Na verdade, a lei habilitante é uma tradição política no país. E ela foi largamente utilizada por Chávez em 2001, quando ele decretou as leis de Hidrocarbonetos e de Terras atualmente vigentes. Ao todo, foram 49 leis naquele ano. Em 1999, ele só criou dois novos impostos e reformou o Imposto de Renda, pois enfrentava uma Assembléia Nacional oposicionista à época.

No entanto, explicaram analistas locais ouvidos pelo GLOBO, a nova Lei Habilitante é mais abrangente e foi aprovada por um Congresso totalmente dominado pelo chavismo.

- Aqui não houve nem haverá debate político, Chávez domina tudo, a renda do petróleo, o Banco Central, todos os poderes do Estado, e com esse poder vai reformar novamente a Constituição - disse Victor Maldonado, professor da Universidade Católica.

Opositores no país são ineficientes

Segundo Maldonado, "a Venezuela vive um momento de profunda incerteza".

- A partir de agora Chávez paga e dá o troco. Estamos todos em estado de choque, tentando entender para onde caminha nosso país - afirmou o analista venezuelano.

Menos pessimista, o analista Germán Campos, diretor da Consultores 30.11, argumentou que o chavismo deve ser analisado sem preconceitos.

- Chávez quer aprofundar sua revolução, mas não acredito que aqui haverá confisco nem violação da propriedade privada. O que, sim, teremos é um Estado com enorme capacidade de controle - declarou Campos.

Na visão de um dos poucos analistas venezuelanos consultados tanto pelo governo como pela oposição, o poder de Chávez é conseqüência, em grande medida, da ineficiência de seus opositores.

- A oposição tem líderes que não representam mais ninguém e essa fraqueza aumenta ainda mais a potência de Chávez - explicou Campos.