Título: A reconquista e seus custos
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 02/02/2007, O País, p. 2

O PT realizou seu projeto de voltar a presidir a Câmara e tornar-se um força de primeira grandeza no segundo governo Lula. Mas a vitória apertada de Arlindo Chinaglia, que teve apenas 18 votos a mais que o também governista Aldo Rebelo, diz ao presidente Lula que os curativos da unidade não serão tão simples.

Embora a base governista tenha rachado, para a Câmara e sua institucionalidade não se repetiu a tragédia de 2005. Nem houve um Severino no páreo, nem o resultado traz riscos para uma Casa que, já tendo caído em tantos desvãos nos tempos recentes, carece desesperadamente de recuperar sua credibilidade, de produzir uma nova elite parlamentar que, tendo a Mesa como referência, leve a cabo a tarefa restauradora. Embora Arlindo tenha tido apenas quatro votos a mais que o necessário, foi apoiado por um amplo leque de forças, que incluem setores da oposição. Tem vivência na planície da Casa e deve ter sido sincero quando disse que não fará uma presidência partidarista, mas sintonizada com o conjunto das forças políticas, sejam da oposição ou da base governista. Este discurso colide com as ambições hegemonistas do PT, desafiando-a alinhar-se mais com a instituição que com os interesses de seu partido.

O que o favoreceu foi a formação, nas últimas horas, de um megabloco de apoio, congregando oito partidos e 273 deputados. No final, viu-se que houve defecções mas o lançamento do bloco deu o sinal de que as forças governistas (PMDB, PP, PTB, PR e outros partidos) viam em Arlindo o representante do status quo.

Para Lula, o bloco também deu os contornos de uma maioria, que contará ainda com votos dos partidos de esquerda que ficaram com Aldo. Farejando o ambiente da Câmara, ontem de manhã ele tratou de antecipar-se à vitória do petista ao defender o respeito à proporcionalidade. Ele sempre soube que Aldo, por sua filiação ao pequeno PCdoB, não a representava. Mas não o dissuadiu quando era tempo, pelo contrário. Agora, vem a tarefa de curar as feridas valendo-se dos ministérios. Aldo não deve ser convidado para ser ministros, e se o for, não aceitará. Os sócios da vitória de Arlindo são muitos e todos apresentarão sua conta.

Nas disputas, a vitória nunca é absoluta. Existe o ganhar perdendo. Lula não perderá o apoio do bloco de esquerda que apoiou Aldo, formado por partidos que sempre estiveram com ele: PDT-PSB-PCdoB. Assim diziam ontem seus líderes mais expressivos, como Ciro Gomes. Estarão no campo lulista, mas, do PT, estarão cada vez mais distantes. Devem seguir trilha própria, rumo a 2010. Talvez com Ciro candidato a presidente.

O PMDB sai fortíssimo desta disputa. Jogou-se nela como se fosse por um dos seus, fiando-se no acordo com o PT, pelo qual daqui a dois anos o presidente será um peemedebista. Foi o acordo que viabilizou Arlindo, diz o deputado Michel Temer. Houve defecções, certamente, mas o que o PMDB deu ao PT, vai querer receber com juros na formação do Ministério.

O PSDB ainda tem contas a acertar com sua base social. Os números não permitem uma clara caracterização da importância dos votos tucanos para a vitória dos petistas, muito menos quantificá-los. Aldo, que no primeiro turno obteve 175 votos, e no segundo, 243, levou a maioria dos 98 votos obtidos pelo tucano Gustavo Fruet. Mas só o fato de o PSDB ter liberado sua bancada para votar como quisesse, no segundo turno, contraria expectativas de sua base social, adepta do confronto com o PT.

Reconquistando a presidência da Câmara, o PT resgata sua posição de força no governo, mas tutelar ela não será. A própria disputa aprofundou a necessidade de compartilhamento do governo, que tanto assustou os petistas. O ex-ministro Palocci, estreando no novo papel, dizia que a reconquista é fundamental para o fortalecimento do partido mas não deve ser instrumento para a disputa de postos no governo. Resta saber se o partido pensa o mesmo.

Política carnavalizada não só pelos blocos na Câmara: Lula vai ao desfile do Galo da Madrugada, em Recife, passa por Salvador e termina a incursão momesca no Sambódromo do Rio.

Renan e o curso das águas

O único senador que pareceu realmente surpreso (e desconcertado) com o resultado da eleição para a presidência do Senado foi o próprio candidato do PFL, José Agripino Maia. Para os demais, inclusive para os pefelistas, a vitória de Renan Calheiros, por 51 votos contra 28, espelhou a realidade política da Casa. Agripino contou o tempo todo com pelo menos 37 votos. Houve traições, tanto no PFL como no PSDB, mas políticos contam sempre com elas. Numa Casa como o Senado, as águas correm sempre para o mar: para quem já manda, para quem fez e continuará a fazer favores. Somem-se a isso os atributos pessoais de Renan, seu trato fácil e sua habilidade política. É com ela que ele vem desenvolvendo uma trajetória singular para um senador de Alagoas.

Da esquerda estudantil e do MDB popular, passou-se para a vanguarda "collorida". Rompeu antes do impeachment, compôs-se com Itamar e foi ministro de Fernando Henrique. Apoiou Serra em 2002, dando-lhe a única vitória estadual naquele pleito. Lula, vitorioso, rejeitou inicialmente o PMDB, mas acabou precisando ampliar sua base. E foi Renan, juntamente com Sarney, que assegurou o apoio de uma banda do PMDB, que foi de grande valia na crise de 2005. Agora, o partido entrou inteiro e decidido no governo, devendo ter participação expressiva no novo Ministério.