Título: Esperança para a Baixada
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 02/02/2007, Economia, p. 23

Região, que sofre com falta de água e saneamento, receberá dinheiro do PAC até junho

Disenteria, alergias, ratos, mosquitos, lacraias, repetidas caminhadas em busca de água e convívio permanente com o mau cheiro das valas negras. A realidade de parte da população dos municípios da Baixada Fluminense é muito mais dura que os números apresentados pelos governos sobre a falta de saneamento e acesso à água na região. Por isso, segundo o ministro das Cidades, Marcio Fortes de Almeida, a região foi uma das primeiras a ser escolhida para receber os recursos reservados para saneamento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Segundo o ministro, o dinheiro para a população da Baixada, que somava no último Censo Demográfico, de 2000, mais de 3 milhões de pessoas, deve começar a ser liberado até o fim deste semestre:

- Estamos trabalhando com prazos curtíssimos. Os técnicos já estão estudando os projetos enviados para a Cedae, com rapidez. Temos R$10 bilhões para esses investimentos no país.

Vivendo ao lado de valões de esgoto fétidos, moradores da Baixada Fluminense acreditam que a situação pode melhorar com os recursos anunciados para a região.

- Disseram que agora essa questão do saneamento e da água vai ser resolvida finalmente - afirmou Gerson Mascarenhas, coordenador do Comitê Gestor do Programa Nova Baixada, morador há 59 anos em Duque de Caxias.

São Gonçalo e Itaguaí terão verbas

Kátia Gadelha de Oliveira, que mora ao lado do canal para onde vai o esgoto sem tratamento e que em parte do ano é visitado por jacarés, no bairro de Jardim Leal, em Caxias, torce para conseguir, pelo menos, que a água chegue aos canos. Com seus sete filhos, sofre com doenças de pele.

- Quando houve a enchente em 2002 e no ano passado, ficamos com uma alergia que deixou cicatrizes em todos nós. A água do canal subiu, entrou nas casas, contaminando todo mundo. A coceira era insuportável - diz a moradora de Duque de Caxias.

A vizinha Marta Valéria de Oliveira, com seus dois filhos, passa a tarde enchendo mais de 30 baldes de água, numa bica próxima. Os canos são de enfeite. Não há água na casa de três cômodos:

- No calor é pior, eu passo mal.

Segundo o presidente da Cedae, Wagner Victer, todos os municípios da Baixada serão beneficiados, mais São Gonçalo, Itaguaí e Mangaratiba. Os 33 projetos enviados ao Ministério das Cidades chegam a R$319 milhões que, segundo Victer, vão se somar a R$394 milhões já aplicados em obras paradas:

- Não vamos resolver todos os problemas da Baixada. Há um passivo de água de 50 anos.

Segundo Fortes, a Cedae foi escolhida por estar em tal desequilíbrio financeiro que não permitia que fizesse os investimentos necessários na região:

- As regiões metropolitanas concentram o déficit em saneamento e a Cedae não conseguia se habilitar para conseguir financiamento.

O casal Hilton e Antônia Fonseca, de Mesquita, moradores no bairro Coréia, esperam uma solução para o valão que corre em frente à casa. Ambos já tiveram disenteria e sofrem com as picadas de mosquito que assolam a região.

- Os ratos aqui chegam a assustar. Só posso tomar água mineral. Se uso a da bica, mesmo filtrada, tenho diarréia - reclama Antônia.

Segundo o engenheiro sanitário da UFMG Léo Heller, o dinheiro agora disponível pode aumentar as chances de o Brasil cumprir uma das oito Metas do Milênio, que prevê a redução à metade do déficit de saneamento até 2015. A preocupação é com o uso dos recursos:

- Houve um desmantelamento do corpo técnico de engenharia. Temo que, depois das obras feitas, elas não funcionem, por problemas de gestão. Erros de projeto podem levar a gastos demais e uso de tecnologia errada.

Para Ronaldo Seroa da Motta, coordenador de Estudos de Regulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Cedae sofre com a inadimplência que, segundo ele, ultrapassa 30%, e com obras eleitorais:

- O ideal seria a Parceria Público- Privada - defende.

LICITAÇÃO DE GRANDES OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA SERÁ AGILIZADA, na página 24

Alguns projetos da Cedae

ANA CLARA: Utilizar a adutora da Petrobras na Refinaria de Duque de Caxias, hoje subaproveitada, para levar água à comunidade de Ana Clara. São R$17 milhões, beneficiando 58 mil moradores.

IMBARIÊ Melhorar a estação de Taquara, em Duque de Caxias. Investimento de R$1,2 milhão.

COLUMBANDÊ: Serão R$31 milhões para melhorar acesso à água de 150 mil pessoas, em São Gonçalo.

SISTEMA JK: Interligar a adutora de Mesquita e Nova Iguaçu. Investimento de R$3,5 milhões, para beneficiar 112 mil pessoas.

HIDRÔMETROS: Ministério das Cidades vai liberar recursos para melhoria no cadastro e troca de hidrômetros.

A realidade por trás dos números