Título: Guia de sobrevivência
Autor:
Fonte: O Globo, 03/02/2007, O Mundo / Ciência e Vida, p. 37

Alterações no clima global terão impacto no cotidiano e na economia

Quando vamos começar a sofrer com as mudanças climáticas? Ao que tudo indica, já estamos sofrendo. O último relatório do IPCC deixa claro que o mundo já passa por mudanças climáticas. Há sinais nos distantes pólos e nas geleiras das montanhas. Mas as mudanças também são percebidas muito mais perto, no dia-a-dia. São sinais como o aumento da temperatura, das chuvas torrenciais, das secas e das grandes tempestades.

É possível dizer que as chuvas torrenciais deste verão no Brasil e o inverno quente na Europa são causados pelas mudanças climáticas? Não, porque não há estudos para isso. Porém, cientistas dizem que esses eventos seguem o padrão de mudanças previstas pelos modelos climáticos.

Vamos sentir cada vez mais calor? O IPCC diz que muito provavelmente sim. Um aumento de 3 graus Celsius em cem anos não parece grande. Mas é muito grande. Ele é calculado sobre a temperatura média da Terra. Isso implica em alterações profundas no equilíbrio do planeta e num tempo sujeito a extremos. Além disso, há sinais claros de que, por exemplo, as noites estão cada vez mais quentes, inclusive no Brasil.

Por que as noites ficam mais quentes? Normalmente, o calor do Sol absorvido pela superfície da Terra durante o dia é devolvido para o espaço à noite. A intensificação do efeito estufa limita a liberação do calor, que fica retido nas camadas mais baixas da atmosfera. Os cientistas chamam isso de diminuição da amplitude térmica, isto é, da variação da temperatura durante o dia. Ou seja, faz calor de dia e não há muito alívio à noite. O meteorologista do CPTEC José Marengo, um dos autores do estudo do IPCC, diz que o aumento da incidência das noites quentes foi registrado no Brasil nos últimos 50 anos e deve crescer ainda mais.

Isso quer dizer que não vai fazer mais frio? Não é bem assim. Uma Terra mais quente é uma planeta de extremos, tanto de frio quanto de calor. O que diminui é a incidência de dias frios, inclusive no inverno. Isto é, o inverno pode ter dias muito frios, intercalados por períodos maiores de clima mais ameno. Essa tendência tem sido observada em muitos lugares do mundo, Brasil inclusive. Mas a tendência é que nevascas violentas ocorram com freqüência maior.

Vai chover mais? A ocorrência de dias de chuva intensa é considerada muito provável pelo IPCC. O que preocupa os especialistas é a alteração do regime de chuvas. Não adianta chover muito em poucos dias. Nas cidades, o risco é de inundações e desmoronamentos. Para a agricultura, os danos são imensos. Uma mudança no regime de chuvas terá profundo impacto na agricultura. Porém, ainda é muito difícil hoje fazer previsões sobre chuva porque os registros históricos do tempo são imprecisos. No Brasil, o problema é grave. As séries históricas são incompletas e o acesso a elas é difícil, o que prejudica muito o trabalho dos cientistas.

Quanto os mares vão subir? Os cientistas ainda não se arriscam a fazer previsões detalhadas. Mas é muito provável, diz o IPCC, que os mares subam significativamente. Quarenta centímetros pode parecer pouco, mas representa um avanço considerável dos oceanos terra adentro. Países abaixo do nível do mar, como Holanda e Bangladesh, são vítimas óbvias. O mesmo vale para países-ilha, que podem ser engolidos pelo mar. Os danos a cidades são variáveis.

As praias do Rio vão desaparecer? Será uma mudança súbita? São mudanças graduais, marcadas por sinais como intensificação de ressacas e aumento da erosão costeira. Não existem estudos que indiquem o desaparecimento de praias do Rio ou de outras cidades costeiras do Brasil. Todavia, a subida do nível do mar, diz o IPCC, deverá transformar a linha costeira. Hoje, porém, é impossível dizer exatamente em quanto tempo isso ocorrerá e quão grande será a mudança.