Título: Pobres são as principais vítimas do aquecimento
Autor:
Fonte: O Globo, 03/02/2007, O Mundo / Ciência e Vida, p. 37

Relatório aponta o sertão nordestino como a região do Brasil que sofrerá maior impacto das mudanças climáticas

Ana Lucia Azevedo

É certo que os pobres serão as maiores vítimas das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. E no Brasil não será diferente. Os habitantes do sertão nordestino sofrerão o maior impacto do caos climático no país. A Nordeste é apontado como uma das regiões mais vulneráveis pelo meteorologista Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe), integrante do IPCC. Nobre é um dos autores do relatório do IPCC que detalhará os impactos das mudanças climáticas e as formas de adaptação possíveis.

O relatório será lançado em abril, em Bruxelas, na Bélgica. A seguir, Nobre explica como as diferentes regiões brasileiras poderão ser afetadas por alterações no regime climático do planeta:

IMPACTO SOCIAL: ¿Em termos sociais, o semi-árido do Nordeste vai sofrer muito se as projeções de intensificação de seca se concretizarem. Serrá a região do Brasil que mais vai sofrer. A tendência é que a região se torne um semi-deserto. Isso inviabilizará a agricultura de subsistência, da qual dependem hoje entre sete milhões e oito milhões de pessoas. A solução passa pela melhoria das condições de vida dessas pessoas, já que essa forma de agricultura está diretamente ligada à pobreza.¿

IMPACTO AMBIENTAL: ¿Em termos ambientais, a Amazônia e a caatinga são os ecossistemas mais vulneráveis. Se as secas se tornarem mais prolongadas, a caatinga poderá desaparecer e se transformar num semi-deserto ao longo das próximas décadas. A Amazônia também é extramamente sensível. Mudanças no regime de chuva podem afetar toda a floresta. Essa, por sua vez, está ligada ao regime de chuvas da América do Sul. Assim, as conseqüências das mudanças na Amazônia não se resumem à própria região. Outro problema sério é a perda de biodiversidade.¿

SUL E SUDESTE: ¿Essas regiões do Brasil podem sofrer, principalmente, com o aumento da intensidade das chuvas. A tendência é que passe a chover muito num espaço de poucos dias. As conseqüências disso são conhecidas por todo mundo, são inundações, desmoronamentos de encostas.¿

AGRICULTURA: ¿As mudanças climáticas são muito ruins para a agricultura tropical. O Brasil pode perder muito se não se preparar, com projetos de adaptação. Quanto mais quente, pior para a produção de grãos. É preciso planejar já a agricultura do futuro.¿

CERTEZAS: ¿Um ponto importante do relatório do IPCC é a mudança de tom. Agora, se dá uma ênfase muito grande à responsabilidade humana. Em termos políticos, quando a ciência diz que há 90% de riscos de alguma coisa acontecer, ignorar é um ônus muito grande. Medidas de adaptações poderão custar caro, mas sofrer as conseqüências do aquecimento global será mais custoso ainda. Após 17 anos, o IPCC conseguiu mostrar que o aumento é causado pelo homem.¿

MUITO QUENTE: ¿Um aumento de 2 a 4,5 graus Celsius é muito grande para o equilíbrio do planeta. São mudanças drásticas em ecossistemas e regimes hídricos. Mesmo um aumento de 2 graus já é suficiente para provocar alterações com impacto profundo. Por causa disso, pensar em adaptação é inevitável.¿

RISCOS: ¿É preciso fazer o possível e o impossível para que o aumento não passe de 2, 3 graus. O risco é muito grande. Acima disso, você pode romper o equilíbrio do sistema climático e a temperatura não vai mais parar de subir por séculos. E será de forma natural, embora deflagrada pelo homem. O degelo da permafrost (solo congelado) do Ártico e do metano congelado no fundo dos oceanos causado pelo homem pode liberar quantidades imensas de gases-estufa na atmosfera e alimentar ainda mais o processo de aquecimento do planeta. Por isso, a redução das emissões de CO2 e outros gases e o estabelecimento de medidas de mitigação são essenciais. Não temos mais tempo para perder.¿