Título: Um passado de grandes tribunos e desafio a ditaduras
Autor: Camarotti, Gerson e Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 04/02/2007, O País, p. 3

Congresso teve momentos marcantes, mas recentemente práticas viciadas e onda de escândalos mancharam sua imagem

Diana Fernandes

BRASÍLIA. Na história recente do Parlamento brasileiro, as legislaturas vêm piorando ano a ano. Esse, pelo menos, é o senso comum diante de tão rumorosos escândalos envolvendo deputados e senadores, e também da carência de grandes oradores e temas relevantes em debate. Os velhos e bons tempos do Congresso são sempre lembrados nos momentos de crise. Personalidades de expressão nacional ¿ como Tancredo Neves ou Ulysses Guimarães ¿ povoam o imaginário dos que se revoltam com os dias de hoje.

São congressos diferentes, de fato. Tendo como referência os últimos 50 anos, na Câmara e no Senado brilharam nomes de grandes talentos que fizeram história, mesmo com prerrogativas limitadas. Hoje, a mesma democracia que produziu um Legislativo mais forte e autônomo, permite a exposição de suas deficiências e vícios.

Em plena ditadura militar o Congresso produziu personagens que ainda hoje são lembradas em suas homenagens. Como o ex-presidente do Senado Nilo Coelho, que sofreu um enfarto no plenário, enquanto comandava uma sessão tensa, na qual comandou a rejeição de decreto-lei do governo Figueiredo (uma temeridade à época) que estabelecia um reajuste salarial abaixo da inflação.

Foi então, com a ditadura agonizando, que o Congresso voltou os olhos para os anseios da sociedade. Pouco depois, era a luta de mulheres e parentes de perseguidos políticos pela anistia ampla, geral e irrestrita que ganhava força no Parlamento e ressoava pelo país. Foi aprovada, ainda que com condições impostas pelos militares. Foi no Congresso também que ganhou força a luta popular pelas eleições diretas, que não foram aprovadas mas apressaram o fim do regime.

Nesse cenário de transição desfilaram políticos de oratória impecável e posição firme, como os pernambucanos Marcos Freire e Fernando Lyra ou o gaúcho Paulo Brossard. Longos debates foram travados. Idéias proliferaram, embora na maioria das vezes não pudessem ser postas em prática.

Com a democracia restaurada, o Congresso viveu momentos de glória e apoio popular, com no inédito impeachment de um presidente da República . Mas, depois, foi obrigado a fazer sua primeira grande limpeza interna, com a estrondosa CPI do Orçamento, que mostrou as maracutaias de um grupo de deputados: os anões, que faziam e desfaziam com o dinheiro público.

Já no primeiro governo civil, o de Sarney, foi inaugurada uma prática que o tempo só aprofundou: a das barganhas entre Executivo e Legislativo para assegurar votos ao governo, o chamado fisiologismo. O ápice se deu na discussão sobre a duração do mandato de Sarney. Do governo do PT, que sempre brandiu a bandeira da ética, esperava-se um esforço para mudar tais práticas. Mas o que se viu foram vampiros, mensaleiros e sanguessugas. Esse mesmo Congresso dá sinais de que continuará ignorando a opinião pública. Sinal disso, a disposição para novamente tentar aprovar o reajuste dos subsídios de parlamentares, rejeitado vigorosamente pela sociedade em dezembro.