Título: Judiciário , OAB e cartórios brigam por divórcio
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 04/02/2007, O País, p. 11

Nova lei que permite separações, inventários e partilhas extrajudiciais cria polêmica por envolver dinheiro

Evandro Éboli

BRASÍLIA. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro, a lei que prometia acelerar a tramitação de processos de divórcio, separação, inventário e partilha amigáveis virou motivo de polêmica. A legislação que permitiu resolver nos cartórios o que antes precisava ir para o Judiciário rachou advogados, tabeliães e presidentes dos Tribunais de Justiça. A discussão envolve dinheiro. Nenhum desses segmentos quer perder receita, nem honorários e nem as taxas pagas para a realização desses atos.

Representantes dos cartórios e do Judiciário já se reuniram no Ministério da Justiça e bateram boca. A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) defende a lei, que injetará mais recursos nos cartórios. O colégio de presidentes dos Tribunais de Justiça sustenta que haverá perda de recursos para o Judiciário, já que esses atos poderão ser feitos extrajudicialmente.

A seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo se opõe à lei. A entidade argumenta que haverá prejuízo para os advogados, que deverão receber menos com a transferência dos processos para os cartórios, mesmo que a lei obrigue ao acompanhamento de profissionais de direito nesses casos.

No governo, o assunto é tratado pela Secretaria da Reforma do Judiciário, ligada ao Ministério da Justiça. O secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini, confirmou a polêmica. Bottini defende a lei, mas reconhece que necessita de alterações. Essa regulamentação, segundo ele, pode ser feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não haveria necessidade de outro projeto de lei.

¿ O grande objetivo da lei é melhorar esse serviço e tirar o excesso de demanda do Judiciário. É natural que uma lei nova traga questionamentos, que, tenho certeza, serão solucionados ¿ disse Bottini.

O presidente da Anoreg, Rogério Portugal Bacellar, defende os cartórios e diz que a lei irá reduzir o prazo de tramitação de separações, divórcios, partilhas e inventários. Segundo ele, esses atos, mesmo amigáveis, levam de dois a três anos para serem concluídos no Judiciário. Nos cartórios, estariam prontos em 15 dias. Ele rebateu as críticas de que os cartórios serão os únicos beneficiados com a lei.

¿ Haverá menos burocracia. O pessoal do Judiciário está revoltado porque acha que vai perder receita. Por que ninguém fala em diminuir os honorários dos advogados?! Temos custos, como computador, empregados e aluguel para pagar. E vamos fazer muita coisa de graça para os mais pobres ¿ disse Bacellar.

Brechas precisam de regulamentação

O presidente do colégio de presidentes dos Tribunais de Justiça, José Fernandes Filho, argumentou que o Judiciário perderá custas e não pode abrir mão dessas receitas.

¿ Os cartórios têm todo interesse em transferir esses serviços, porque haverá um incremento de renda para eles ¿ disse José Fernandes.

Bottini cita algumas brechas da lei que precisam ser regulamentadas pelo CNJ. Um exemplo: se uma pessoa morreu e tem dez herdeiros, seria necessária a presença de todos no cartório para a partilha, burocracia que poderia ser resolvida com procurações. Outro caso: um casal que queira se separar amigavelmente e um dos cônjuges vive no exterior. Também bastaria uma procuração, o que não está previsto na lei.