Título: Irã volta a desafiar a ONU
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Fonte: O Globo, 05/02/2007, O Mundo, p. 19

Teerã diz que não interromperá programa nuclear, apesar de prazo vencer este mês

TEERÃ E WASHINGTON

Oiretor da Organização Iraniana de Energia Atômica, Gholam Reza Aghazadeh, afirmou ontem que seu país não cumprirá a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que exige a suspensão das atividades de enriquecimento de urânio até o dia 21 deste mês. O anúncio foi feito pela maior autoridade do programa nuclear iraniano, um dia depois de seu governo abrir a Usina de Conversão de Urânio de Isfahán para uma delegação de diplomatas e jornalistas estrangeiros, que não incluía, contudo, inspetores da ONU. Integravam a comissão, entre outros, representantes do Movimento de Países Não-Alinhados, do G-77 (formado por 77 países em desenvolvimento) e da Liga Árabe.

Entre os repórteres, estava Ângeles Espinosa, do jornal espanhol ¿El Pais¿, que definiu a visita como ¿um gesto puramente propagandístico ante a proximidade do ultimato dado pela ONU¿. Promulgada no dia 23 de dezembro, a resolução 1.737 impôs algumas sanções econômicas ao Irã e exigiu a interrupção do programa nuclear num prazo de 60 dias, sobretudo na usina de Natanz, sob pena de sanções mais duras. Segundo a jornalista do ¿El Pais¿, a comissão de convidados teria preferido visitar aquela usina, a que mais preocupa a ONU, mas foi levada à de Isfahán, onde se desenrolam as etapas iniciais de manipulação de urânio. Ela acrescentou que os diplomatas não tinham a mais remota idéia se o que lhes foi apresentado ¿ como um inofensivo processo para produção de combustível ¿ correspondia à realidade e que ¿a visita esclareceu pouco. A presença de diplomatas e jornalistas não compensa o veto aos inspetores ocidentais¿, escreveu.

Aghazadeh prometeu aos jornalistas uma excursão à usina de Natanz ¿dentro de sete ou oito dias, para verem as etapas mais recentes do trabalho¿ que se realiza lá. Ele justificou a rejeição à exigência da ONU:

¿ De nosso ponto de vista, a resolução 1.737 tem sérios problemas jurídicos e de execução, por isso temos dito desde o princípio que não a aplicaremos.

Antes dela, a ONU já havia emitido outra resolução, a 1.696, em 31 de julho de 2006, que pedia o fim das atividades nucleares. Aghazadeh tentou atenuar a situação declarando que seu país está disposto a elaborar uma agenda de trabalho com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). O Irã tem um embaixador nessa organização, e foi ele quem comandou a visita guiada, no sábado, à usina de Isfahán.

No dia 11 de fevereiro, em meio às comemorações do aniversário da Revolução Islâmica de 1979, podem ser instaladas, para funcionar a pleno vapor, 3 mil novas centrífugas de enriquecimento de urânio em Natanz. Foi assim que especialistas interpretaram palavras enigmáticas de Aghazadeh: ¿em breve, anunciaremos boas notícias nucleares¿. O embaixador iraniano na AIEA, Ali Asghar Soltanieh, limitou-se a dizer que há progressos na instalação dessas centrífugas e que ¿o trabalho continua¿. O Irã já conta com 164 centrífugas, que podem ser usadas tanto para fins pacíficos, como sustenta o governo local, como para a construção de bombas. Países árabes vizinhos já fazem planos de adotar tecnologia nuclear, inspirados pelo exemplo iraniano.

Relatório: guerra seria `desastrosa¿

Diante da recrudescência dos EUA e de Israel nas relações com o Irã, uma coalizão de 15 organizações humanitárias e políticas da Grã-Bretanha elaborou um relatório que pede um novo esforço diplomático entre os países, pois uma ação militar teria ¿conseqüências desastrosas¿. O documento, que tem entre seus autores o Centro de Políticas Externas e o Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, indica que um ataque alimentaria as ambições atômicas do Irã, acabaria com as esperanças de estabilidade no Iraque, prejudicaria a economia global devido a uma alta no preço do petróleo e poderia estimular ataques terroristas no Ocidente. Três ex-comandantes militares dos Estados Unidos publicaram ainda uma carta aberta no jornal britânico ¿Times¿ de ontem alertando para esse mesmo risco.

Recentemente, Washington enviou um segundo porta-aviões ao Golfo, num gesto de ameaça ao Irã. Segundo analistas, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, substituiu Saddam Hussein no papel de maior inimigo dos Estados Unidos no Oriente Médio.