Título: Transtorno obsessivo
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 06/02/2007, O Globo, p. 2

As brigas internas do PT são um assunto enfadonho, mas, em se tratando do partido no poder, tornam-se de interesse geral. O barulho deste fim de semana só pode ser explicado pela compulsão petista à luta interna. Discussão inoportuna como esta sobre a anistia de José Dirceu, horas após conquistar uma formidável vitória depois de ter comido tanto sal amargo, sugerem que o PT não sabe o que fazer com ela. E, se for assim, pode novamente desperdiçá-la.

A turma do Campo Majoritário, ainda inebriada pela vitória de Arlindo Chinaglia na disputa pelo comando da Câmara, voltou com sede ao pote. O campo adversário, em movimento defensivo, também se apressou em divulgar o documento articulado pelo ministro Tarso Genro, retomando a questão da refundação, o que, na prática, aponta para a exumação das responsabilidades sobre os descaminhos que o partido tomou a partir de 2003.

Os primeiros sinais emitidos por Arlindo Chinaglia são de que não está disposto a ser vassalo das ambições partidárias. Ontem, muito apropriadamente, evitou comentar a tal anistia a Dirceu, alegando o fato de agora ser, antes de tudo, presidente da Câmara. Mas o espinhoso assunto foi colocado na reunião do fim de semana, embora inexistam condições políticas favoráveis. Elas pressupõem, antes de tudo, a eventual absolvição de Dirceu no processo que ainda corre no STF, como ele mesmo tem dito. As reações despertadas ¿ na oposição e na OAB, por exemplo ¿ mostram o quanto a iniciativa pode ser prejudicial ao próprio PT.

Mas, articulando para ampliar sua influência no governo, o Campo Majoritário pensou até em indicar candidato a líder da bancada, embora este seja um assunto exclusivamente parlamentar, a ser decidido pelos deputados, não pelas tendências. Amanhã, quando o atual líder, Henrique Fontana, abrir este debate em reunião da bancada, estarão inscritos dois pernambucanos (Fernando Ferro e Maurício Rands) e um fluminense (Luiz Sérgio, de Angra dos Reis). Mas, pelo visto, não é improvável que um paulista se apresente. Por isso mesmo, a escolha ainda pode não ser definida amanhã, assim como a indicação dos presidentes de Comissão a que o partido terá direito.

O PT terá mesmo de exumar as culpas e rever os métodos e concepções que o levaram a transgredir os preceitos éticos que tanto o distinguiram. Mas sem misturar estes dramas da vida partidária com a ação parlamentar ou governamental. Agora, devia estar mais preocupado com as tarefas que terá na Câmara, com a contribuição que pode dar ao soerguimento da Casa, com o conteúdo das medidas do PAC e com a qualidade do novo Ministério.

Lula, mesmo querendo, não pode cozinhar este galo por muito tempo mais. Administrativamente, a situação precária de alguns ministros os impede de tomar decisões. Politicamente, a ansiedade dos partidos, se prolongada, pode lançar instabilidade sobre uma base parlamentar que, por mais folgada e estável, Lula não pode negligenciar.