Título: Desafio ao Congresso
Autor: Vasconcelos, Adriana e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 06/02/2007, O País, p. 3

Marco Aurélio provoca parlamentares ao dizer que trocaria seu salário pelo subsídio deles.

Adriana Vasconcelos, Isabel Braga e Catarina Alencastro*

OLegislativo e o Judiciário entraram ontem em confronto verbal por causa dos salários de magistrados e os subsídios de parlamentares. A polêmica começou pela manhã, em São Paulo, onde o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio de Mello, disse que trocaria seu salário de R$24.500 pelos R$12.800 recebidos pelos parlamentares, em razão das diversas vantagens garantidas aos integrantes do Legislativo.

¿ Faço um desafio: troco o que ganho pelo que ganha um deputado e um senador. Vamos colocar no lápis as vantagens dos parlamentares. Se as vantagens não forem três vezes maiores do que recebe um ministro do STF, eu deixo a cadeira que tenho no Judiciário ¿ disse o ministro, após aula inaugural na Faculdade de Direito da FMU, em São Paulo, segundo divulgou a ¿Agência Estado¿.

À noite, Marco Aurélio confirmou o que dissera de manhã, em resposta à proposta de setores do Congresso de congelar os salários dos ministros do STF até que se chegue a um consenso sobre o teto do funcionalismo:

¿ Estou disposto a partir para o desafio de trocar de posição com o Legislativo. O parlamentar tem inúmeras vantagens que nós não temos. Eles têm penduricalhos infindáveis. Imaginar o congelamento dos salários do Judiciário não se coaduna com o Estado democrático de direito ¿ disse, acrescentando que se apresentada, de fato, essa proposta causaria um ¿faroeste¿ entre o Legislativo e o Judiciário.

Segundo Mello, os parlamentares querem congelar os salários do STF em retaliação ao fato de a instituição ter vetado a equiparação do salário dos congressistas aos dos ministros do STF:

¿ É retaliação. Quando os deputados cogitam o congelamento dos salários do Supremo esquecem que os poderes se respeitam mutuamente. É evidenciar um verdadeiro faroeste.

Suplicy sugere comparação de benefícios

No Congresso, os parlamentares reagiram com irritação. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) usou a tribuna para propor uma comparação entre os benefícios aos quais os parlamentares têm direito e as vantagens asseguradas também aos ministros do STF. E fez outra proposta: disse que seria importante dar transparência não só às vantagens recebidas pelos parlamentares, como também àquelas oferecidas a representantes do Judiciário e Executivo:

¿ Isso para que possamos comparar para daí estabelecer um critério de, progressivamente, caminharmos na direção de igual remuneração e vantagem, já que o propósito é de equiparação ¿ disse Suplicy: ¿ Gostaria, em princípio, de observar aqui: os ministros do Supremo têm direito à residência, assim como os deputados e senadores, e também podem utilizar um automóvel com motorista igual aos parlamentares.

Na Câmara, o líder do PSDB, Antônio Pannunzio (SP), classificou de arroubo e de inadequada a forma com que Marco Aurélio tratou do tema.

¿ Não é a forma adequada para um membro de um poder, um ministro do Supremo tratar de um assunto sério como este. Cada dia mais me convenço que, quando tratamos desse tema, ainda no governo Fernando Henrique, cometemos um erro grande ao aceitar a pressão do Supremo e fixar como teto o salário dos ministros do STF ¿ disse o tucano, lembrando que a proposta original estabelecia como teto o salário do presidente da República:¿ Infelizmente, se renderam às pressões e hoje estamos com um problema grande. Esse não é um um assunto que se possa resolver de supetão, temos a irredutibilidade dos salários dos magistrados. Não é um tema para ser levado no calor da emoção.

Irônico, o novo líder do PFL, deputado Ônix Lorenzoni (RS), afirmou:

¿ Nunca vi 24 ( R$24.500) ser maior do que 12 (R$12.800). O Chinaglia deve esclarecer à sociedade e ao ministro o valor dos nossos salários. Essa é uma missão institucional.

Chinaglia diz que aumento não é prioridade

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), evitou polemizar com Marco Aurélio. Pela manhã, depois de almoçar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, negou que tivesse assumido o compromisso de dar prioridade à definição do reajuste para os subsídios dos deputados. Disse que nem será debatido na primeira reunião que fará hoje com os líderes.

¿ Breve é breve, não é imediato. Vai depender dos líderes. Vou propor que os líderes se reúnam com suas bancadas, vou ouvir opiniões e levar a plenário, mas não é uma prioridade.

O deputado José Múcio (PTB-PE), cotado para ser o novo líder do governo, disse que não se deve abrir uma fase de competição ou de desafios entre poderes. Mas defendeu a abertura da ¿caixa preta¿ dos salários de todos os poderes.

¿ Tenho o maior respeito pelo presidente Marco Aurélio. Não vamos medir e nem estabelecer competição entre os poderes. A declaração de Marco Aurélio não soa como desafio. Soa como estímulo para que saibamos quanto ganha o homem público no Brasil e sem artifícios. Não adianta ter teto para o salário e ter artifícios ¿ disse José Múcio, referindo-se a vantagens que são incorporadas aos salários e que fazem com o que o vencimento ultrapasse o teto legal.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também preferiu não polemizar, mas defendeu o teto único:

¿ Os poderes têm que ser harmônicos, com o mesmo teto. Não entendo a declaração dele como confronto, mas, sim, como explicação do que ganha um ministro do STF .

Derrotado na disputa pela presidência do Senado, o líder do PFL, Agripino Maia (RN), disse considerar um equívoco estimular qualquer discussão sobre o subsídio dos parlamentares:

¿ O Congresso não pode ficar prisioneiro de um debate pequeno. O reajuste dos parlamentares não pode ultrapassar a correção da inflação e pronto ¿ disse Agripino.

(*) do Globo online