Título: Críticas de embaixador abrem crise no Itamaraty
Autor: Oliveira, Eliane e Celestino, Helena
Fonte: O Globo, 06/02/2007, O País, p. 5

Roberto Abdenur acusa ministério de doutrinação ideológica e de promoção de diplomatas por afinidade política

Eliane Oliveira e Helena Celestino

BRASÍLIA e RIO. Caíram como uma bomba entre os diplomatas as declarações de Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, acusando o Ministério dos Relações Exteriores de estar contaminado por posições ideológicas. Em entrevista à revista ¿Veja¿, Abdenur criticou a política externa ditada pela cúpula do Itamaraty. Disse que há ¿antiamericanismo atrasado¿ na política externa, condenou a forma de promoção na área diplomática ¿ referindo-se às exigências estabelecidas pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães ¿ e disse ter sido um erro o Brasil ¿ter incorporado de chofre a Venezuela ao Mercosul¿.

Abdenur disse ainda que o país dá ênfase equivocada às relações entre países do Hemisfério Sul, o chamado eixo Sul-Sul. Segundo pessoas próximas ao chanceler Celso Amorim, as declarações do diplomata foram interpretadas como um ato de ingratidão.

¿ Ele (Abdenur) cuspiu no prato em que comeu ¿ disse uma fonte.

Ao ser indagado por jornalistas sobre o que teria a dizer sobre as declarações de Abdenur à revista ¿Veja¿, Amorim lamentou o fato de o embaixador só ter assumido essa posição após sua remoção definitiva para o Brasil. De acordo com o ministro, a volta de Abdenur se deveu a um ritual burocrático, e não por motivos políticos. O diplomata já teria passado do prazo de dez anos em que um embaixador pode servir no exterior:

¿ São declarações que naturalmente são usadas de maneira oportunista por quem tem críticas a fazer em relação à política externa. Respeito as opiniões divergentes, mas acho que um embaixador, num posto como Washington, se tem uma dúvida muito séria sobre a política externa do país, deve demonstrar isso de maneira muito clara.

O ministro deu a entender que, se estava insatisfeito, Abdenur deveria ter deixado o cargo antes. Mas evitou comentar, em detalhes, a crítica do diplomata.

Insatisfação no Itamaraty com bibliografia sugerida

Segundo fontes da área diplomática, Amorim e Samuel sempre foram amigos de Abdenur. Teria partido do próprio chanceler a indicação do ex-embaixador brasileiro em Washington. Pessoas próximas a Abdenur, no entanto, disseram ontem que existe insatisfação no meio diplomático com o que chamam de ¿bibliografia básica para alinhamento do pensamento¿, referindo-se aos livros recomendados por Guimarães. Essas fontes revelaram que Abdenur teria se aliado à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para permanecer no cargo, mas não teve êxito. Ainda este mês, será substituído pelo subsecretário de Assuntos Políticos do Itamaraty, Antonio Patriota.

Em entrevista ao GLOBO ontem, Abdenur reafirmou que não é contra a política externa em seu conjunto, mas que não concorda com o eixo Sul-Sul, por considerar que esta não é a melhor forma de o Brasil se projetar no cenário internacional:

¿ Disse uma série de coisas que eu penso há algum tempo. Reitero tudo aquilo que disse.

Ele enfatizou que tem respeito profissional por Amorim, ¿que está conduzindo com grande equilíbrio importantes questões de negociação externa¿, como a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em sua opinião, certos temas devem ser objeto de maior reflexão e debate. Sobre o fato de ter, somente agora, falado o que pensa Abdenur respondeu:

¿ Não podia falar sobre isso, pois estava no serviço ativo. Estaria violando meu compromisso profissional de quase 45 anos. Está havendo impacto além do que jamais pensaria.

Ele admitiu ter criticado a forma como é conduzido o processo de ascensão no Itamaraty. Mas afirmou reconhecer que houve progressos na reestruturação da carreira, que permite maior rapidez na promoção.

Abdenur deixou Washington no último dia 29 e sua aposentadoria foi publicada no Diário Oficial. Ele pretende escrever e voltar à atividade acadêmica.

¿ Não vou colocar pijama.