Título: Polêmica expõe divisão sobre comércio exterior
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 07/02/2007, O País, p. 12

Diplomatas divergem sobre negociações com a China e a Venezuela

Eliane Oliveira

BRASÍLIA. O mal-estar causado no Itamaraty pelas declarações do ex-embaixador nos Estados Unidos Roberto Abdenur voltou a expor a divisão no meio diplomático e reforçou uma polêmica que surgiu desde o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: as negociações comerciais que envolvem o Brasil. Ao criticar temas como o ingresso da Venezuela no Mercosul, a prioridade do governo brasileiro às relações com os países do hemisfério Sul e o reconhecimento da China como economia de mercado, Abdenur expôs o que já comentam, nos bastidores, alguns diplomatas que estão na ativa ou que já saíram da alçada do Ministério das Relações Exteriores.

¿ O que ele (Abdenur) disse não é propriamente uma novidade. O problema é que ele usou uma forma espalhafatosa ao fazer as críticas. Saiu batendo a porta, quando sabemos que ele queria continuar no posto ¿ comentou um embaixador brasileiro.

A questão é que, ao assumir no início de 2003, Lula interrompeu as negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Anunciou que daria atenção especial aos países em desenvolvimento. E não conseguiu, até agora, um acordo satisfatório entre o Mercosul e a União Européia. Para diplomatas que vão contra essa corrente e para empresários de diversos setores, o governo deveria ter se empenhado mais nos tratados com os EUA e com os europeus, tradicionalmente os principais mercados para os exportadores brasileiros.

Itamaraty nega adoção de política antiamericana

O Itamaraty se defende. Afirma que não adota uma política antiamericana e que só não fechou com os EUA na Alca porque as exigências feitas ao Brasil não poderiam ser aceitas, sob pena de não se ter o que barganhar na Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil queria mais acesso ao mercado e os americanos insistiam para que entrassem no acordo itens como compras governamentais, serviços e propriedade intelectual.

Outro ponto que já está consolidado no Itamaraty após quatro anos, mas ainda alvo de críticas, é a obrigatoriedade de os diplomatas que forem removidos lerem livros indicados pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães. Entre os temas que Pinheiro não abre mão estão a biografia do Barão do Rio Branco e a formação da economia brasileira. Essa determinação tem sido criticada, dado o perfil do secretário-geral que, no governo Fernando Henrique, foi repreendido pelo então chanceler Celso Lafer, por ter se manifestado contra a Alca. Hoje é tachado por algumas correntes de antiamericano.

¿ Essa questão dos livros já virou folclore ¿ disse uma graduada fonte do Itamaraty.