Título: Quadro instável
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 08/02/2007, O Globo, p. 2

A relativa estabilidade nas regras do sistema político-partidário foi rompida três vezes nos últimos meses pelo poder Judiciário. Após a derrubada da cláusula de barreira pelo STF, o TSE aprovou mudanças na distribuição do tempo de propaganda televisiva e agora no rateio dos recursos do fundo partidário. Como o dinheiro fala mais alto, os grandes partidos planejam aprovar logo o restabelecimento da regra anterior. Mais complicado será encontrar limites justos para a liberdade partidária.

O fim da cláusula combinado com as novas regras de rateio (de tempo de TV e do dinheiro do fundo) estimulam a criação de mais partidos. Para o deputado José Carlos Aleluia, do jeito que está eles vão passar em breve dois atuais 28 para 58 partidos registrados. Com representação na Câmara, hoje são 20, um número em expansão.

Agora, porém, a briga será pelo dinheiro. Pela regra anterior, 99% dos recursos do fundo eram distribuídos entre os partidos que cumpriram a cláusula. Apenas 1% eram rateados entre os pequenos, que não conseguiram a votação exigida. Não havendo mais a barreira, o TSE decidiu ratear 42% dos recursos entre todos os partidos, inclusive os que não elegeram parlamentares. E o restante, 58%, de acordo com o tamanho das bancadas. Ou seja, na proporção dos votos obtidos. O resultado será uma boa mordida nos grandes, razão da festa que faziam ontem os líderes dos pequenos partidos. Enquanto o PT terá sua receita reduzida de R$24 milhões para R$23 milhões, o PSOL passará a receber R$140 mil em vez de R$7 mil, por exemplo.

Aleluia diz que o projeto restabelecendo a regra anterior será apresentado pelos líderes de todos os grandes partidos e será votado em tempo recorde, para que o fluxo de caixa ainda seja corrigido este ano. Para os líderes dos grandes, o TSE exorbitou de suas funções e equivocou-se ao defender o ¿tratamento igualitário¿ dos partidos. Quem os torna desiguais, em tamanho, é o eleitorado, ao lhes dar os votos.

Não há dúvida de que os grandes, tendo mais deputados, ganharão a disputa pelo dinheiro. Mas fica o problema da criação e funcionamento dos partidos, pilar importante de qualquer sistema político. O senador Marco Maciel está propondo a ressurreição da cláusula derrubada, agora na forma de emenda constitucional, contornando assim o obstáculo jurídico apontado pelo STF: o de que a cláusula conflitava com a ampla, geral e irrestrita liberdade partidária assegurada pela Constituição. Mas há divergências e restrições jurídicas, levantadas não apenas por representantes dos pequenos partidos. O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), juiz federal e estudioso de sistemas políticos, diz que a cláusula ofende o sistema representativo porque cria dois tipos de parlamentares. Os de partidos que têm e os dos que não têm direito ao tal funcionamento parlamentar, que ninguém sabe bem o que é. Barreira é o que existe na Alemanha. Lá, se não obtiver o mínimo de votos, o partido não elege deputados. ¿Constitucionalizar a cláusula é criar um monstrengo¿, diz ele.

No bojo de uma reforma política ampla, poder-se-ia encontrar solução política e juridicamente mais adequada. Mas aprová-la é que são elas.