Título: A guerra dos juros
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 08/02/2007, O País, p. 4

LISBOA. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deixa o tiroteio em que se meteu aí no Brasil e chega hoje a Lisboa para ouvir pessoalmente as mesmas críticas que vem recebendo nos últimos dias. Participa amanhã de um seminário da Fundação Luso-Brasileira sobre as perspectivas de crescimento econômico do Brasil ao lado do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, um dos principais críticos dos altos juros reais em vigor. Hoje, um outro seminário tratará, com técnicos da Petrobras e do Ministério da Agricultura e empresários, brasileiros e portugueses, do futuro dos biocombustíveis. Há quem veja na cada vez mais clara necessidade do mundo de alternativas energéticas puras, como o etanol e os biocombustíveis, um futuro promissor para a economia brasileira, mas mais uma razão para a pressão para desvalorização do dólar, ponto central da crise política que envolve o presidente do Banco Central.

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, de passagem por Paris, previa um futuro nebuloso para a indústria brasileira diante da valorização do real. Com os juros reais em torno de 8% ao ano e o risco-país caindo diante do volume de reservas cambiais, que pode chegar a US$100 bilhões brevemente, Mendonça de Barros vê uma enxurrada de dólares chegando ao Brasil, com a perspectiva de que a agricultura continue dominando as exportações brasileiras, reforçada pela corrida pelos combustíveis alternativos ao petróleo.

O interesse do governo americano pelo programa de etanol brasileiro, incentivado pelo presidente Lula em suas intervenções no Fórum de Davos, deve dar um impulso ao cultivo de cana-de-açúcar, além dos biocombustíveis produzidos a partir do girassol, do dendê e da mamona.

Com o aumento do preço das commodities, pressionado pelo crescimento econômico principalmente da China, as exportações brasileiras continuarão fortalecendo o superávit da balança comercial, mesmo que cresçam menos, em termos de quantidade, que as importações, como já está ocorrendo.

O Banco Central é acusado de frear o crescimento da economia com um ritmo lento de queda dos juros, e indiretamente aponta o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como o causador dessa cautela, vista como excessiva por setores da indústria brasileira e de políticos governistas, especialmente a ala petista que quer a saída de Meirelles como maneira de varrer do governo o que entende como sintomas remanescentes da política neoliberal que vigorou no primeiro mandato, sob a batuta do ex-ministro e hoje deputado federal Antonio Palocci.

Como o presidente Lula ainda não confirmou Meirelles no cargo, ele é um alvo perfeito para os que defendem mudanças na política econômica. O boato de que estaria demissionário teve como detonador o improviso feito pelo presidente Lula no dia anterior, em que disse que o país tem que parar de ter medo do crescimento da demanda, e que deveria temer, isso sim, a falta de demanda.

Ora, foi exatamente por temer o aumento da demanda devido ao acelerador de gastos do governo que se chama PAC é que o Banco Central reduziu o ritmo de queda dos juros, para analisar melhor o comportamento da economia diante da possibilidade de redução do superávit primário com aumento dos gastos públicos.

Há diversos palpites sendo dados, de público e ao pé do ouvido do presidente Lula, desde o controle da entrada dos investimentos estrangeiros especulativos até um programa de incentivo à indústria para que o país possa ser competitivo mesmo com o real valorizado. O aumento das importações, em ritmo muito maior do que o das exportações, significa, segundo alguns analistas, que o crescimento potencial do PIB está sendo desviado para o exterior com o consumo maior de importados.

Ao contrário, o papel das importações na dinamização da economia é saudado por outros economistas, que vêem no aumento delas a maneira mais saudável de controlar os preços internos, ajudando a conter a inflação a níveis internacionais, e ao mesmo tempo valorizar o dólar naturalmente. Alegam que, se as importações fossem prejudiciais às economias, os Estados Unidos, maiores importadores do mundo, estariam em sérias dificuldades.

Mesmo nos Estados Unidos, no entanto, esse debate existe, pois a invasão de produtos e serviços chineses e indianos excita os nacionalistas, que vêm empregos americanos sendo dizimados pelas importações. A produção industrial brasileira apresentou ano passado o menor crescimento desde 2003, o que seria um reflexo da política cambial. O que está em disputa, na verdade, é a orientação da política econômica, que, segundo alguns críticos, acaba sendo ditada pela autonomia do Banco Central.

Há setores do governo, no entanto, que consideram que atribuir à taxa Selic toda a responsabilidade da falta de crescimento é um exagero. Ainda mais que, mesmo que a um ritmo lento, a taxa real está a caminho de se encontrar na mesma faixa da taxa das cadernetas de poupança, perto de 6% reais. O que trará outros problemas para o governo, pois os investimentos podem migrar para as cadernetas, que têm uma segurança quase absoluta.

O controle da inflação, no entanto, é a pedra de toque da política social do governo, e o presidente Lula teme que uma mexida mais forte nesse vetor possa colocar em perigo o equilíbrio fiscal, do qual ele não quer abrir mão. Mas, para aumentar os gastos, reduzir o superávit primário e crescer sem inflação, seriam necessárias várias outras reformas ¿ tributária, previdenciária, trabalhista ¿ que ele não parece disposto a enfrentar neste segundo mandato.