Título: Ataque ao câmbio
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 08/02/2007, Economia, p. 22

Este é o momento ideal para atacar o Banco Central, e a ala do PT que sempre quis a mudança da política monetária sabe disso. É o momento ideal porque o presidente Lula, ao não confirmar Henrique Meirelles, pôs o BC no bolo da formação do Ministério que está em andamento. A queda do dólar dos últimos dias foi o pretexto para engrossar as críticas. O PT, em luta para ampliar seu espaço no governo, não quer ¿bobear¿ numa hora tão propícia.

O que está sobre o Banco Central neste momento não é, evidentemente, apenas a crítica do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, de que ele está ¿bobeando¿. É a volta dos que sempre estiveram inconformados com as escolhas feitas pelo presidente Lula na política econômica e monetária.

Eles não são somente contra o nível dos juros, mas a maneira como a taxa é decidida, o Copom, a autonomia que, de fato, o BC teve no primeiro governo. Não há uma alternativa clara à política monetária e cambial e, de vez em quando, há a defesa difusa de propostas como mudar a composição do Copom, nomear quadros políticos para o BC e até uma velha idéia que o PT defendia na época da oposição: o controle do câmbio.

O Banco Central reduziu a Selic em 6,75 pontos percentuais e já acumula quase US$100 bilhões de reservas. Mas, embora tenha subido ontem, o dólar permanece numa trajetória de queda. O real tem se fortalecido mais que outras moedas. Este ano, subiu 1,91%, enquanto a lira turca subiu 0,69% e os pesos argentino e mexicano caíram 1,35%. No acumulado de 12 meses, tanto a lira quanto os pesos caíram, enquanto a moeda brasileira valorizou 4,53%.

¿ Esta semana, está havendo uma melhora geral do humor mas, especificamente no caso do Brasil, aqui se tem a combinação de risco baixo e rentabilidade alta ¿ diz Roberto Padovani, do WestLB.

Há outro fator alimentando as críticas ao BC: na ata da primeira reunião do ano, o Banco disse que a demanda estava forte e reduziu o ritmo de queda dos juros. O problema é que, no começo do ano passado, ele disse o mesmo sobre a demanda, e também previu crescimento muito maior. Porém a economia esfriou e terminou 2006 crescendo 2,8%, bem menos que os 4% esperados pelo Banco no início do ano.

Há um outro lado da questão: a queda do dólar está ajudando a derrubar as previsões de uma inflação mais pressionada neste começo de ano. Os dados da inflação de atacado estão vindo mais baixos que o previsto.

¿ Este ano, todo mundo achava que o câmbio não ajudaria muito, mas o IGP-DI já veio mais baixo. Fora o IPCA, que virá pressionado pela educação, os outros vão surpreender, apesar da alta da alimentação ¿ afirmou o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC.

O nível de atividade também pode melhorar. A produção industrial de dezembro veio bem mais alta que a maioria das previsões dos bancos.

¿ Eles subestimaram o efeito do crédito ¿ calcula o professor.

A queda dos juros, a ampliação do crédito, a inflação baixa podem elevar o ritmo de crescimento.

¿ O risco é a ansiedade por crescimento que pode ocorrer no governo. Se houver precipitações e escolha de caminhos alternativos para crescer mais rápido, pode-se arriscar o que foi conquistado nos últimos anos. É bom lembrar o exemplo externo: enquanto estamos com uma inflação tranqüila, entre 3% e 4%, a Argentina está controlando preços e manipulando índices ¿ disse Luiz Roberto Cunha.

Há outros exemplos: a Venezuela está com uma inflação, subindo, de 15%, e o governo decidiu ampliar o controle de preços. Esse é um velho caminho que o Brasil já trilhou. A Tailândia tentou controlar preços e teve que recuar quando a bolsa despencou e começou uma onda de insegurança.

Segundo o economista Roberto Padovani, os bancos centrais têm usado dois caminhos para tentar interferir no câmbio de maneira transparente. Um deles é através de mecanismos de controle de entrada de capitais, estipulando impostos para os investidores interessados em entrar no mercado financeiro do país. Um outro caminho é a compra de derivativos. Mas Padovani diz que essas medidas só costumam ser usadas pelos bancos centrais quando eles percebem um ingresso forte ¿ e temporário ¿ de capitais no país. Se tentarem segurar o câmbio na marra, a atitude é identificada pelo mercado, que passa a pressionar ainda mais o câmbio. Além disso, alguns estudos demonstram que essas interferências dos bancos centrais têm efeito apenas temporário.

No seu relatório diário, o Credit Suisse diz que há sinais de mais entrada de dólares no país; por todos os lados: deve aumentar o investimento direto, o fluxo financeiro, além dos próprios recursos do comércio. O banco acredita que vai crescer a participação estrangeira no mercado acionário e na dívida pública doméstica.

Algumas medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda, no ano passado, para conter o câmbio, ainda nem estão funcionando. O Banco Central tem que avaliar bem o quadro que está se desenhando, mas, seja como for, não há um passe de mágica para segurar o câmbio. O governo deve resistir à tentação de aventuras que podem custar caro demais e ter efeito, apenas, temporário.