Título: O fruto da barganha
Autor: Braga. Isabel
Fonte: O Globo, 09/02/2007, O País, p. 3

Acordo para divisão de cargos dá a Leonardo Picciani, de 27 anos, a presidência da CCJ

Isabel Braga

Apresidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, um dos cargos mais importantes da Casa, será ocupada nos próximos dois anos por um jovem deputado: Leonardo Picciani, do PMDB do Rio, filho do presidente da Assembléia Legislativa do estado, Jorge Picciani. Em seu segundo mandato e com apenas 27 anos, Leonardo foi indicado pelo PMDB, partido que tem a maior bancada na Câmara e, por isso, o direito de fazer a primeira escolha na divisão das comissões.

- A indicação é da bancada do Rio de Janeiro, que é a maior bancada do PMDB, com dez deputados. E a bancada do Rio fará a indicação com toda tranqüilidade e respeito pelo PMDB - afirmou o líder do partido, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

Indagado se a indicação para esse posto não exige capacidade técnica, conhecimento jurídico e aceitação ampla do nome, o líder reagiu:

- A bancada tem maturidade para isso, né? Tanto a do Rio, quanto a nossa liderança. Eu já presidi a CCJ também. É importante (conhecimento jurídico), mas quem está aqui (na Câmara) chegou com méritos e qualidade para isso.

Nos bastidores, a indicação de Leonardo encontra resistência, especialmente pelo fato de Leonardo ser filho de Jorge Picciani, político polêmico no Rio. A indicação foi vista por alguns como uma barganha da bancada do Rio, que usa o fato de ser a maior do partido para negociar apoios internos. Reservadamente, deputados contam que o grupo de Leonardo negociou sua indicação para a CCJ por ocasião da eleição de Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câmara.

Deputado diz que já é formado

Publicamente, as críticas se resumem ao fato de Leonardo, iniciando o segundo mandato aos 27 anos, não ter experiência política nem jurídica.

- A presidência da comissão mais importante de uma Casa que busca recuperar sua credibilidade tem que ser ocupada por um parlamentar com experiência política, saber constitucional comprovado e grande capacidade de interlocução - criticou o líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ): - O PMDB certamente teria uns dez nomes que preenchem esses requisitos. Não é o caso do jovem Picciani, que talvez tenha como maior aporte apenas a força política do pai.

- O PMDB tem autonomia para indicar. Se alguém do PMDB se insurgir contra, sendo membro da CCJ, poderá disputar com ele a presidência, sem ofender o princípio da proporcionalidade. Nossa relação é institucional com os partidos - afirmou o líder do PDT, Miro Teixeira (RJ).

Leonardo se defende. Embora seja apresentado no site da Câmara como agropecuarista e aluno de direito, o deputado afirmou ontem que já se formou pela Universidade Cândido Mendes, no Rio. Sobre sua profissão, respondeu que se elegeu deputado federal aos 22 anos e foi reeleito aos 26.

- Vejo essas críticas de forma negativa. Demonstram um preconceito em função da idade, que não podemos aceitar. Sempre estive entre os mais votados do meu estado. Saber jurídico? Fui membro da CCJ durante os quatro anos passados e sou bacharel. Nem para ser ministro do STF precisa ter bacharelado. Não é uma disputa de títulos jurídicos, esta é uma casa política, onde as decisões são políticas - disse Leonardo, frisando ter sido relator da lei das agências reguladoras e da CPI da Pirataria. - Quero ser avaliado pelo meu trabalho à frente da CCJ e não por ter 27 anos.

Para ele, as acusações que pesam contra seu pai não devem interferir na escolha. Ele defende o pai, mas diz que tem carreira independente:

- Meu pai não responde a processo, o que existem são ilações que têm sido derrubadas pelo Poder Judiciário. Não sou ele, tenho minha própria carreira.

Leonardo admite ter apoiado a candidatura Chinaglia, mas nega acordo para garantir votos ao petista.

- Foi uma decisão interna no PMDB.

Os poderes da comissão

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) é a maior, a mais importante e uma das mais cobiçadas comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Nenhum projeto pode ser aprovado pelo plenário sem antes passar pelo crivo dos deputados da comissão. Cabe à CCJ a crucial tarefa de examinar se as propostas em tramitação na Casa estão amparadas pela Constituição, a legislação ordinária e o regimento interno. A comissão é tão poderosa que, se considerar inadequada, pode derrubar uma emenda constitucional, antes de a proposta ser submetida às comissões especiais.

Já foi presidida pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, o ex-ministro da Justiça Célio Borja e os deputados Nelson Carneiro, José Bonifácio e Sigmaringa Seixas. A CCJ funciona também como instância para recurso. Pode anular decisões da Mesa ou fazer andar um projeto de cassação de mandato do Conselho de Ética.

- Depois do presidente e do vice-presidente da Câmara, quem mais tem poder na Casa é o presidente da CCJ - diz um auxiliar do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Leonardo é sócio em negócios investigados pela Receita

Deputado federal pelo PMDB, em segundo mandato, ingressou na política patrocinado pelo pai

O deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ), como seu pai, o presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani (PMDB-RJ), se apresenta como produtor rural. A família é dona de propriedades rurais em São Félix do Araguaia (MT), no Triângulo Mineiro e no Rio de Janeiro. No ano passado, após investigar os bens de Jorge Picciani nos anos de 2000 a 2003, a Receita Federal concluiu que houve uma evolução patrimonial de 1.065% e o multou em R$1,5 milhão.

O presidente da Alerj está sendo investigado pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público, por sonegação, fraude fiscal e suspeita de lavagem de dinheiro. As fazenda Agrovás e Monte Verde, das quais Leonardo é sócio, constam da relação de bens de Jorge Picciani que estão sendo alvo da ação fiscal da Receita Federal.

Bacharel em direito, Leonardo, de 27 anos, venceu a primeira eleição em 2002 sem ter uma juventude ligada à atividade política. Como informa o seu próprio site, desde os 17 anos trabalhava nos negócios rurais do pai. Na Agrovás, em São Félix do Araguaia, fiscais do Ministério do Trabalho encontraram 56 trabalhadores, dos quais apenas um tinha carteira assinada - o gerente.

Diretor da Associação de Criadores de Nelore do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo informa em seu site que a fazenda Monte Verde abriga "uma das mais respeitadas centrais de aprimoramento genético da raça nelore do Brasil". Ele declarou a segunda maior receita de campanha eleitoral ano passado, entre os candidatos a deputado federal no Rio. Disse ter recebido R$1,098 milhão, sendo R$400 mil doados pelo pai. Durante a campanha, deu entrevistas para a TV Alerj (programa "Conexão Brasília"), rede de televisão gerida pelo pai, na Assembléia.

Leonardo se orgulha de ter apresentado duas propostas de emenda à Constituição (PECs). A primeira muda a forma de tributação do ICMS sobre petróleo e energia e a segunda limita a livre nomeação para cargos comissionados na esfera federal.

Ano passado, quando o ex-governador Anthony Garotinho fez greve de fome para protestar contra denúncias que associavam o governo de sua mulher, Rosinha, a doações milionárias suspeitas para ONGs, Leonardo foi um dos quatro peemedebistas enviados aos Estados Unidos para pedir o acompanhamento internacional do processo eleitoral, como reivindicava o ex-governador.

Leonardo é casado com Gisele, com quem tem um casal de filhos: Maria Eduarda e Vittorio.